Estudo que vinculava cigarros eletrônicos a ataques cardíacos é descreditado. E agora?
Na semana passada, um estudo que sugeriu que o uso de cigarros eletrônicos poderia aumentar o risco de ataque cardíaco foi retirado do ar. Uma investigação feita pelos editores da revista considerou que as descobertas “não eram confiáveis”. Mas isso significa que o cigarro eletrônico é seguro e deveríamos nos preocupar com a validade de outras pesquisas sobre vaping?
O estudo foi publicado em junho passado no Journal of the American Health Association (JAHA) por uma dupla de pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Francisco. Usando dados da população, eles descobriram que as pessoas que usam cigarros eletrônicos ou tradicionais atualmente têm maior probabilidade de também sofrer um ataque cardíaco. Aqueles que relataram usar cigarros eletrônicos e tradicionais ao mesmo tempo tiveram um risco associado ainda maior do que o uso isolado, segundo o estudo.
As descobertas alinharam-se com pesquisas semelhantes que apontam para riscos à saúde em usuários de cigarros eletrônicos e tradicionais, além de um maior risco possível entre os usuários de ambos. O estudo recebeu alguma atenção da mídia, embora o Gizmodo não o tenha abordado. Mas não demorou muito para que alguns cientistas e jornalistas começassem a criticar o estudo.
Uma falha importante, destacada em uma carta enviada à JAHA em janeiro por vários cientistas, foi que os pesquisadores não tentaram excluir casos em que as pessoas tiveram um ataque cardíaco antes de relatarem usar cigarros eletrônicos.
Outra crítica foi que os autores não haviam explicado em suas análises o histórico de tabagismo dos usuários atuais de e-cigarettes. Como os efeitos do tabagismo, inclusive no coração, podem levar anos para desaparecer, muitos usuários que fumavam anteriormente poderiam ter mais chances de sofrer um ataque cardíaco, independentemente do novo hábito de usar cigarros eletrônicos.
As críticas foram suficientes para alguns editores da JAHA olharem novamente para o estudo e como ele foi revisado por pares. Assim, eles descobriram que os revisores apontaram essas críticas para os autores e pediram que refizessem suas análises, mas os “revisores e editores não confirmaram se os autores haviam entendido e cumprido” sua solicitação, de acordo com a nota de retratação.
Foi solicitado aos autores que corrigissem seus trabalhos, mas outros problemas apareceram. Eles disseram à revista que não tinham mais acesso ao banco de dados usado originalmente para o estudo e não podiam fazer outra análise até o prazo final da revista. Dadas essas questões, escreveram os editores da revista, eles estavam preocupados com o fato de as conclusões do estudo não serem confiáveis e a retiraram.
“A retratação não é uma questão trivial”, disse Brad Rodu, um pesquisador da Universidade de Louisville, em Kentucky e um dos primeiros críticos do estudo, à VICE. “É uma ação significativa. Dizer que foi um erro é muito fraco.”
A remoção do artigo iniciou um debate cada vez mais controverso entre os cientistas e especialistas em saúde pública que estudam vaporizadores e cigarros eletrônicos. Muitos especialistas, particularmente no mundo da redução de danos, acreditam que os cigarros eletrônicos representam uma das melhores maneiras de ajudar as pessoas a pararem de fumar, que é sem dúvida um dos hábitos mais prejudiciais que uma pessoa pode ter.
Mas outros especialistas argumentam que ainda se sabe muito pouco sobre seu risco potencial, especialmente a longo prazo, para que os produtos de vaping sejam adotados sem problemas. Eles argumentam, com evidências mistas, que o uso de cigarros eletrônicos pode não ajudar as pessoas a parar de fumar melhor do que outras opções; muitos apenas se tornam usuários duplos. Enquanto isso, muitos adolescentes, que de outra forma poderiam nunca ter tocado em nicotina, estão se tornando fãs de vaping.
No ano passado, o debate aumentou ainda mais quando ondas de usuários de vaporizadores nos EUA começaram a contrair doenças pulmonares graves, às vezes fatais. O surto, que atingiu o pico em setembro de 2019, mas ainda não terminou completamente, envolveu mais de 2.600 casos, além de 68 mortes no país.
A maioria desses casos acabou sendo ligada a produtos não regulamentados, feitos com aditivos oleosos tóxicos, como a vitamina E, usados para fumar maconha, e não cigarros eletrônicos com nicotina comprados em lojas. Mas, ainda assim, a crise incentivou a criação de novas leis para restringir e até mesmo proibir cigarros eletrônicos com sabor — políticas que muitos especialistas lamentaram como injustificadas e propensas a conduzir mais pessoas a fumar.
E agora? Bem, assim como um único estudo por si só não pode nos dizer com certeza se o uso de cigarros eletrônicos é prejudicial, um estudo descreditado não pode nos dizer que não é. Outras pesquisas ainda sugerem que existe um vínculo real entre o uso de cigarros eletrônicos e os possíveis danos corporais, incluindo o coração e a circulação. Nenhuma dessas pesquisas traz evidências indiscutíveis, mas a ciência funciona somando todas as melhores evidências possíveis, ajustando ou descartando as mais fracas e fazendo um julgamento.
No momento, as evidências apontam claramente que os cigarros eletrônicos são mais seguros que os tradicionais, excluindo os produtos alterados, é claro. Mas é difícil dizer com certeza que os cigarros eletrônicos ajudaram a reduzir a taxa de consumo de cigarros, que está em declínio nos EUA há décadas, ou que esses produtos são melhores para ajudar os fumantes a deixar de fumar do que outras opções disponíveis. E sim, ainda há muito que não sabemos sobre como o vaping pode afetar a saúde a longo prazo ou o que acontecerá com a nova geração de adolescentes que usam e-cigarettes à medida que envelhecem.
O conselho mais prático que posso dar — mas talvez o mais difícil de seguir, dada a natureza viciante da nicotina — é evitar tanto os cigarros eletrônicos quanto os tradicionais.