
Hollywoodland: por que o letreiro de Los Angeles perdeu o “land”?

No dia 31 de outubro, não se comemora apenas o Halloween nos EUA — ou Dia do Saci no Brasil — mas também o Dia do Letreiro de Hollywood (embora apenas em Los Angeles).
Em 2023, a câmara legislativa de Los Angeles instituiu esta data para comemorar os 100 anos do letreiro de Hollywood, inaugurado em dezembro de 1923 — na época, com o nome “Hollywoodland”.
Já em 2024, houve a segunda edição da celebração do Dia do Letreiro de Hollywood, com o lançamento de uma cápsula do tempo digital que contém fotos, documentos e depoimentos sobre o icônico símbolo de Los Angeles.
A organização da comemoração também colocou uma linha do tempo sobre a história do letreiro de Hollywood, remontando desde o fim da violenta invasão ao oeste americano, quando grandes magnatas compraram enormes extensões de terra na Califórnia.
“Hollywoodland”: origem do letreiro e da indústria imobiliária de Los Angeles
Erguido em 1923, o letreiro de Hollywood não tinha o peso de marco e ícone cultural de hoje. Na verdade, ele foi construído com um objetivo publicitário para o setor imobiliário e, além disso, envolvendo um tom racista. Ele foi patrocinado por Harry Chandler, dono do L.A. Times e grande investidor do setor imobiliário.
Para vender terrenos na área residencial do bairro de Los Angeles, que já tinha estabelecido sua indústria cinematográfica, Chandler construiu o letreiro “Hollywoodland” como uma propaganda.
Aliás, essa propaganda funcionou, pois artistas como Tim Allen, Christina Aguilera, Kevin Costner, Ariana Grande e muitos outros grandes nomes (com o perdão do trocadilho) possuem mansões no nobre bairro Hollywood Hills.

“Hollywoodland” no seu primeiro ano sem as enormes mansões ao redor do letreiro. Imagem: Hollywood Sign Trust/Divulgação
No entanto, o projeto de “Hollywoodland”, assim como muitos outros de Chandler, tinha um propósito de embranquecimento.
Em 1924, por exemplo, surgiu um polêmico círculo com 10,6 metros de diâmetro, mas sem a iluminação que havia nas palavras “HOLLY”, “WOOD” e “LAND”, que ocorriam em sequência graças a quatro mil lâmpadas.
Não há consenso sobre quem colocou o círculo no letreiro, mas teorias indicam que era para chamar atenção ao sinal de “Hollywoodland”. Porém, com apenas 10 metros, precisaria ser maior para chamar atenção.
Hollywoodland e o histórico racista do letreiro
Curiosamente, também em 1924, surge um movimento chamado GALA (Greater Los Angeles Association), impulsionado por Harry Chandler, cujo slogan “Keep the White Spot White” — o que pode ser traduzido como “Mantenha Branca a Área Branca”.
Com esse slogan, é impossível ignorar a conotação racial, ainda mais se tratando de Harry Chandler, cujo desprezo por movimentos populares e minorias é famoso e hereditário, como menciona a biografia do seu neto, Otis.
A “área branca”, ou “ponto branco” na tradução direta, surgiu em um mapa que a Câmara do Comércio dos EUA criou em 1920 para mostrar as regiões do país de acordo com suas condições econômicas.
As regiões pobres ficavam em preto, enquanto as regiões com listras e cor cinza representavam lugares com uma economia média. Obviamente, as áreas ricas estavam em branco.

Imagem: Los Angeles Times/Reprodução
Los Angeles era a única área totalmente branca no mapa, algo que Harry Chandler aproveitou para cunhar o slogan “O Ponto Branco da América”, para promover a cidade como um paraíso para o crescimento econômico, livre de crime, corrupção e comunismo.
A frase se tornou o slogan do GALA, cuja foto da primeira reunião apareceu na edição de 28 de março do L.A. Times. Aliás, o L.A. Times, sob direção de Chandler, foi um dos principais veículos do movimento eugenista nos EUA, com uma coluna semanal dedicada a apoiar as ideias que influenciaram o regime nazista.
A origem racista do letreiro de Hollywood, ou melhor, Hollywoodland, é um tema complexo. Mas há vários indícios, como evidências de que a venda de terrenos em Hollywoodland tinha diretrizes raciais para vender os imóveis.
Além disso, os fundadores do GALA, como Eli P. Clark, investiam no projeto Hollywoodland e tinham ligações com grupos eugenistas.
Antes de Hollywood, o letreiro era “Ollywoodland”
De acordo com várias pesquisas sobre o letreiro de Hollywood, Harry Chandler criou a versão “Hollywoodland” para manter a região com moradores brancos. No entanto, no final dos anos 1920, Chandler perdeu o encanto pela indústria do cinema, sobretudo pela sindicalização dos profissionais.
Desse modo, começou o abandono do letreiro “Hollywoodland”, que teve seu momento mais marcante com esse nome em 1939. Nesse ano, a desconhecida atriz Lillian “Peg” Entwhistle cometeu suicídio ao pular da letra “H”.
Também em 1939, Chandler abandonou a manutenção do letreiro de “Hollywoodland”, vendendo para a empresa H. Sherman Company. Porém, sem reformas por vários anos, ele perdeu o “H” e quase foi totalmente destruído.

Imagem: Hollywood Sign Trust/Divulgação
Quando o letreiro se tornou um ponto turístico de Los Angeles, a Câmara de Comércio de Hollywood recebeu autorização para reconstruir a letra “H”. Isso porque, por dez anos, o letreiro foi “OLLYWOODLAND”.
No entanto, durante as décadas seguintes, o letreiro perdeu outras letras e, possivelmente, o sinal do ponto branco.
Já a retirada do “Land” foi decidido em abril de 1949, a pedido da Comissão de Recreação e Parque local, para que o símbolo perdesse a conotação “comercial”.
Em vez de aristocratas, roqueiros, artistas e boêmios salvaram o letreiro de Hollywood
Em 1973, o letreiro de Hollywood, na forma convencional, se tornou um Monumento Histórico-Cultural, com uma campanha de financiamento coletivo para aprimorar o metal do letreiro.
Mas, em 1978, uma tempestade arrasou a estrutura, que perdeu pilares, painéis e metais de cada letra.
Quem salvou, definitivamente, o letreiro de Hollywood não foram magnatas com ares de aristocracia, como Harry Chandler, mas, sim, boêmios e roqueiros que fizeram fortuna numa Hollywood — e que causaria pesadelos no criador do letreiro.

O roqueiro Alice Cooper durante a coletiva de imprensa para reforma do letreiro de Hollywood, em 1978. Imagem: Hollywood Sign Trust/Divulgação
Em uma nova campanha de financiamento coletivo para salvar o letreiro, os primeiros signatários foram Hugh Hefner, dono da Playboy, e Alice Cooper, que incentivaram mais sete pessoas a patrocinar a reforma de cada letra.

Cada letra do letreiro de Hollywood com seu respectivo patrocinador. Imagem: Hollywood Sign Trust/Divulgação
Veja a reconstrução do letreiro de Hollywood:
Por outro lado, Harry Chandler e outros envolvidos no projeto inicial de “Hollywoodland” têm seus nomes apagados da história.
Em 2021, a Caltech decidiu remover menções aos primeiros financiadores da instituição, como Chandler, devido às ligações com sociedades eugenistas.