Ivermectina: um resumo de tudo o que você (ainda) precisa saber sobre o medicamento
A ivermectina, um tratamento antiparasitário usado há muito tempo para humanos e animais, recentemente levou a multidão da internet a “fazer sua própria pesquisa” sobre a relação com a Covid-19. Ela é amplamente discutida em grupos do Facebook, vendido por sites obscuros e até mesmo mencionada por anfitriões da Fox News. Muitas pessoas agora estão convencidas de que a ivermectina trata e previne o coronavírus.
Na realidade, embora a droga tenha usos valiosos, as evidências do potencial da ivermectina como um tratamento antiviral ou preventivo ainda estão sendo reunidas e não têm comprovação científica. Especialistas em saúde pública estão tendo que alertar as pessoas para não comprarem o medicamento destinado a animais e não usá-la como droga off-label (contra a indicação fornecida pela bula), uma vez que pode causar overdoses perigosas que levam as pessoas ao hospital.
Então, o que exatamente é ivermectina? E há realmente alguma esperança de que possa vir a ser uma ferramenta valiosa contra a Covid-19?
Para que é usada a ivermectina?
Embora a ivermectina tenha ganhado uma reputação ruim ultimamente, muitas vezes sendo chamada de vermífugo de cavalo, ela continua vendendo bem. Por décadas, tem sido um remédio de grande importância para animais e pessoas, e é considerada uma das drogas mais essenciais pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Os descobridores de sua classe até ganharam o Prêmio Nobel em 2015.
A ivermectina é tão valorizada não só porque pode tratar de forma confiável uma ampla gama de infestações parasitárias, mas porque se tornou um genérico barato que pode ser facilmente fornecido às áreas mais pobres do mundo.
Ela pode ser administrada em pílula, gel tópico ou em banho líquido, como alguns fazendeiros fazem com suas ovelhas. A ivermectina tem o que os cientistas chamam de “amplo espectro de atividade”, o que significa que pode atingir muitos parasitas diferentes de forma eficaz.
A ivermectina pode tratar ou prevenir a Covid-19?
Ao longo dos anos, os cientistas se perguntaram se a versatilidade do medicamento poderia se aplicar a outros tipos de infecção, incluindo aquelas causadas por vírus. Por esse motivo, não demorou muito para que, durante pandemia da Covid-19, os cientistas começassem a examinar a ivermectina novamente. E, algumas pesquisas iniciais mostraram que ela era muito potente em matar o vírus em um ambiente de laboratório – o que, claro, é diferente de ser capaz de ajudar pessoas infectadas com o vírus.
O problema começou quando esses resultados iniciais passaram a ser entendidos como prova concreta de que a ivermectina seria um tratamento eficaz e infalível para o Sars-CoV-2 por alguns cientistas e muitos ‘especialistas autoproclamados’ durante a pandemia. Mesmo na época, muitos pesquisadores alertavam contra os exageros desses resultados, uma vez que o remédio não é facilmente absorvido pelo corpo humano.
Normalmente, isso nunca foi um problema, porque na verdade, não é preciso uma dose alta para a ivermectina funcionar quando usada como antiparasitário. Mas trazer a dosagem usada no laboratório para matar o coronavírus para o mundo real, argumentaram alguns cientistas, provavelmente exigiria uma dose muito maior do que poderia ser usada com segurança nas pessoas. Uma dose muito alta de ivermectina pode muito bem prejudicar as pessoas e causar problemas neurológicos, entre outras coisas, ou mesmo interagir de forma negativa com outros remédios.
Ainda assim, dada a falta de qualquer tratamento eficaz na época, valia a pena experimentar a ivermectina. Infelizmente, a maioria dos estudos no ano passado que afirmam mostrar um benefício do medicamento no tratamento ou prevenção da Covid-19, eran de qualidade muito baixa, enquanto outros tinham uma base de dados fraudulentos ou suspeitos e posteriormente foram retirados do ar. Quando você olha para os testes maiores ou as evidências gerais, descobre pouco ou nenhum efeito da ivermectina no tratamento do vírus.
Apesar dos dados, a droga se tornou extremamente popular entre certos grupos, especialmente nas redes sociais. Esses grupos, muitas vezes inclinados à extrema-direita e negacionistas da pandemia, argumentam que a verdade sobre a ivermectina foi escondida e que é mantida longe do público por ordem da indústria farmacêutica. Essas mesmas afirmações foram feitas sobre a hidroxicloroquina, quando foi anunciada como uma cura potencial para a Covid-19. (A hidroxicloroquina foi estudada em pacientes em todo o mundo como uma terapia potencial, mas os resultados foram desanimadores).
A indústria farmacêutica tem problemas sérios e às vezes não poupam esforços de lucrar com a pandemia. Enquanto isso, muitos dos principais defensores da ivermectina foram acusados de lucrar com os negacionistas e desesperados, pressionando-os a comprar ivermectina e outros supostos tratamentos preventivos de suas empresas. Quando a ivermectina não está disponível por meio de golpistas, esses grupos online dizem às pessoas para comprá-lo em lojas de suprimentos para animais e fazer a chamada ‘autoadministração’. E pelo menos no Mississippi, Estados Unidos, esse conselho ruim levou a uma onda de telefonemas para o controle de veneno do país, feitas por pessoas que o seguiram e tomaram o medicamento.
A ivermectina é segura ?
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) doa EUA recentemente emitiu um aviso para que as pessoas não usem ivermectina sem receita médica, citando dois casos graves, onde os usuários acabaram no hospital com alucinações e confusão. Na semana passada, a Food and Drug Administration, agência reguladora estadunidense, fez o mesmo em um tuíte memorável nos lembrando que: “Você não é um cavalo. Você não é uma vaca. Sério, pessoal. Parem com isso”.
Vale lembrar que esses avisos não estão acontecendo porque a ivermectina é um medicamento inseguro quando recomendado por um especialista. Mesmo nos ensaios clínicos de Covid-19, onde as pessoas receberam uma dosagem mais alta do que o normal sob supervisão médica, não parecia ter havido nenhum risco adicional de problemas de saúde. Mas as pessoas podem ter uma overdose de ivermectina e desenvolver sintomas como náuseas, vômitos e diarreia, enquanto doses muito altas podem causar complicações neurológicas como alucinações, convulsões e morte. Há também o agravante de tomar um medicamento desnecessário que tem seus efeitos colaterais, como acontece com todas as drogas. E alguns usuários de ivermectina podem ser superconfiantes e não estarem mais preocupados com o risco de contrair ou espalhar o coronavírus – um risco que poderia ser evitado com a vacinação.
Não é impossível que a ivermectina possa ter uma segunda chance como possível droga para a Covid-19. Em junho, a Universidade de Oxford do Reino Unido anunciou que adicionaria o medicamento ao seu estudo em andamento, o PRINCIPLE, anunciado como o maior estudo clínico do mundo de possíveis tratamentos de Covid-19 para pessoas que não precisam de hospitalização. A esperança é que o medicamento possa ajudar a prevenir o agravamento dos primeiros sintomas, ou que possa ajudar na recuperação da infecção de uma forma mais precoce.
Apesar da intenção, dadas as evidências até agora, não parece provável que a droga forneça algo mais do que um benefício simples, e olhe lá. A ivermectina é mais do que um simples vermífugo animal, mas definitivamente não é uma cura milagrosa para a Covid-19 ou o que irá salvar você de infectar.