Médicos relatam problemas de rins e fígado em pacientes que usaram “kit Covid”

Reportagens trazem relatos sobre pacientes com insuficiência renal e hepatite medicamentosa por uso de remédios sem eficácia comprovada.
Frascos de hidroxicloroquina. Crédito: Yuri Cortez/Getty Images
Frascos de hidroxicloroquina. Crédito: Yuri Cortez/Getty Images

Medicamentos comprovadamente ineficazes contra Covid-19, como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e anticoagulantes, podem estar causando efeitos colaterais nos rins, no coração e no fígado dos pacientes. É o que dizem médicos ouvidos em duas reportagens do Estadão e uma da BBC Brasil.

A primeira reportagem do Estadão conta que cinco pacientes com diagnóstico de Covid-19 fizeram uso de ivermectina e tiveram problemas de fígado que os levaram a necessitar de transplantes do órgão. Quatro entraram na fila de transplante do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo — dois morreram antes de conseguir fazer a operação. O quinto paciente espera por um fígado no Hospital das Clínicas da Unicamp. Há também um relato de óbito por doença hepática aguda em Porto Alegre.

Médicos ouvidos pela reportagem dizem que as lesões no fígado são incompatíveis com a Covid-19, que causa trombos, como são chamadas as coagulações de sangue nos vasos. A destruição de vias biliares encontrada nesses pacientes é um sinal de hepatite medicamentosa. O uso de dosagens altas e a interação entre os remédios pode levar a fibroses, que destroem esses dutos responsáveis pelo transporte da bile.

A segunda reportagem do Estadão traz um relato de insuficiência renal causado por omeprazol — embora raro, o risco desse efeito colateral existe. O remédio foi indicado para conter efeitos colaterais do antibiótico azitromicina, que vem sendo receitado contra Covid-19 por alguns médicos, mas não tem eficácia comprovada em casos dessa doença.

O texto também traz relatos de hemorragias gástricas e pulmonares em pacientes com Covid-19 que passaram a fazer uso do anticoagulante enoxaparina após recomendação médica — também não há comprovação científica do benefício do medicamento nesses casos.

Na reportagem da BBC, especialistas alertam que o uso indevido desses medicamentos pode afetar a sobrevida dos pacientes que desenvolvem a forma grave da Covid-19, que requer hospitalização, pois as substâncias podem causar hepatite, problemas renais, infecções bacterianas, gastrite e diarreia, piorando o quadro geral de saúde.

Além disso, o uso do chamado “kit Covid” faz muitas pessoas se sentirem seguras e não procurarem atendimento médico mesmo diante da piora de sintomas. Os médicos ouvidos pela BBC dizem que pacientes deixam de ir ao hospital quando ainda poderiam usar algum método não-invasivo para auxiliar na respiração. Ao procurarem atendimento, já estão com os pulmões muito lesionados e precisam ser intubados.

Outro aviso que os especialistas dão é relacionado ao uso de corticoides, que foram adicionados recentemente ao chamado “kit Covid”. Estudos mostram que eles são indicados para pacientes já hospitalizados com Covid-19, mas não para quem tem sintomas leves. Um dos motivos para isso é que eles podem baixar a imunidade e levar a infecções bacterianas mais graves.

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A insistência do Ministério da Saúde, do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores nas redes sociais no chamado “tratamento precoce” com medicamentos comprovadamente ineficazes para Covid-19 tira foco e recursos de outras estratégias. Medicamentos necessários para pacientes hospitalizados, por exemplo, estão em falta nas últimas semanas.

A ivermectina — medicamento indicado para tratamento de sarna e piolho — não tem eficácia comprovada contra Covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e a Food and Drug Administration (agência dos EUA para medicamentos e alimentos) não recomendam seu uso para fins que não estão especificados em bula. Já a indicação de cloroquina e a hidroxicloroquina para prevenção ou tratamento de Covid-19 foram descartadas em estudos clínicos de qualidade e não são recomendadas pela OMS.

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