“Love Me Do”, 60 anos: 5 bastidores da estreia dos Beatles

Primeiro disco da banda de Liverpool foi às lojas em 5 de outubro de 1962, apenas o começo discreto da revolução musical que viria depois
Imagem: Reprodução/The lyrics: 1956 to the Present

Em 5 de outubro de 1962, foi lançado no Reino Unido um compacto simples (ou single) com as músicas “Love Me Do” no lado A e “P.S. I Love You” no lado B. Era a estreia oficial de um quarteto de rock de Liverpool chamado The Beatles no selo Parlophone, da gigante gravadora britânica EMI. Alcançou um honroso mas nada bombástico 17º lugar nas paradas do que se chamava de “terra da Rainha” até o mês passado.

Uma balada romântica com letra bobinha não causou qualquer abalo no mundo. A adoração aos Beatles viria no ano seguinte em seu país e na Europa, e em 1964 nos EUA e no resto do mundo. Quando a beatlemania dominou o planeta, a banda já estava experiente e tinha músicas bem mais fortes.

Mas o marco zero é “Love Me Do”. Por isso, vamos a alguns detalhes de bastidores desse disco histórico.

1- A composição

“Love Me Do” foi composta em 1958 por John Lennon e Paul McCartney quando ambos já eram os cabeças da banda amadora The Quarrymen, que tocava covers de rock’n’roll em qualquer lugar que os aceitasse em Liverpool. As composições próprias ainda eram mais um exercício de adolescentes principiantes com iniciativa criativa.

Em sua biografia “Many Years from Now”, escrita com o jornalista Barry Miles, McCartney diz que a música foi feita por ele e Lennon em colaboração 50-50. “‘Love Me Do’ foi uma parceria completa”, afirmou Paul. “Acho que ficamos fortes nisso porque compusemos bastante em nossos anos de formação”.

Já Lennon disse em uma entrevista à revista Hit Parader em 1972 que “Paul compôs a estrutura principal quando tinha uns 16 anos. Acho que eu tive a ver com parte do meio”.

2- A “outra estreia”

“Love Me Do” foi o primeiro disco dos Beatles, mas não o primeiro a estampar o nome do grupo no selo. Em 1961, durante uma longa temporada tocando em Hamburgo, Alemanha Ocidental, os rapazes acompanharam o cantor inglês Tony Sheridan (outro ganhando a vida na cidade) numa sessão para a Polydor alemã. Das gravações, saiu um compacto com “My Bonnie” e “The Saints”, com crédito a Tony Sheridan & The Beatles.

Esse single teve consequências. Ainda em 1961, um jovem fã da banda em Liverpool foi à loja de discos da família Epstein à procura do “disco dos Beatles”. O gerente Brian Epstein disse que não tinha, mas iria trazer para o cliente.

Curioso, descobriu que o compacto tinha de ser importado e que os tais Beatles eram de Liverpool e estavam tocando num inferninho chamado Cavern Club. Foi a um show, encantou-se pelas calças de couro de John Lennon (Brian era gay) e, vá lá, pelo som. E, logo em seguida, Brian Epstein (1934-1967) tornou-se o leal empresário do quarteto até sua morte.

3- O teste

Epstein conseguiu uma sessão de teste na gravadora EMI, em Londres, após muita insistência com o produtor George Martin, que não era muito de rock’n’roll. “Love Me Do” foi uma das quatro músicas que os Beatles tocaram num estúdio de Abbey Road em 6 de junho de 1962. A formação ainda tinha Pete Best na bateria.

Os Beatles chegaram de Liverpool numa velha van branca. O historiador dos arquivos da banda Mark Lewisohn citou o chefe da segurança dos estúdios John Skinner em seu livro “The Beatles Recording Sessions”.

“Eles pareciam muito magricelas, quase subnutridos. Disseram que eram os Beatles e tinham vindo para uma sessão. Eu pensei: que nome estranho!”, contou o segurança Skinner.

George Martin deixou seu assistente Norman Smith cuidando do registro do teste. Nada chamou a atenção até o grupo tocar “Love Me Do”. Norman sentiu que havia algo ali e pediu para que Neil Aspinall, o braço-direito dos rapazes, fosse chamar George Martin na lanchonete de Abbey Road.

George Martin foi ao estúdio, ouviu e decidiu cuidar pessoalmente do resto da sessão. Após as músicas, ficou dando uma aula de gravação em estúdio aos quatro jovens músicos. Falou, falou e falou – e os Beatles sempre calados.

Ao encerrar, Martin perguntou: “Olha, fiquei falando um monte aqui e vocês nem responderam. Tem alguma coisa que vocês não gostaram?”

George Harrison, com o típico humor beatle, rebateu: “Eu não gosto da sua gravata”. Todos riram e o ambiente ficou relaxado pela primeira vez no dia.

Todo o material dessa sessão foi destruído anos depois. Mas os Beatles garantiram um contrato com a EMI. E o baterista Pete Best, cuja execução do instrumento já era questionada pelos outros três e criticada por George Martin, tinha menos de dois meses no emprego.

4- Ringo entra, Ringo sai, Ringo bate pandeiro

Quando os Beatles chegaram aos estúdios de Abbey Road em 4 de setembro de 1962, havia uma diferença. Em agosto, Pete Best foi demitido e deu a vaga ao velho conhecido Ringo Starr, baterista de outras bandas de Liverpool.

No estúdio, George Martin insistiu que o quarteto gravasse “How Do You Do It?”, do compositor profissional Mitch Murray, para ser o primeiro compacto. Os Beatles insistiam em ter uma composição própria como a principal de seu primeiro disco. Mas toparam tocar o que o produtor pediu.

Fizeram uma versão competente mas sem empolgação de “How Do You Do It?” (que, no ano seguinte, seria 1º lugar da parada com o grupo Gerry & The Pacemakers, também de Liverpool).

Botaram mais ímpeto em “Love Me Do”, com Paul assumindo os vocais que tinham sido de John desde 1958. Tudo para que Lennon tocasse as frases de gaita que seriam a marca da canção – soprar o instrumento impediria o rapaz de também cantar a letra.

Dobraram George quanto à música que iria para o compacto. Mas não quanto à gravação definitiva. Nova sessão foi marcada para 11 de setembro. E Ringo viu o veterano baterista de estúdio Andy White assumir seu lugar atrás dos tambores.

Martin estava ausente e Ron Richards foi o produtor dessa segunda sessão.

Ringo pensou que seria chutado como Pete Best e se recolheu tristonho a um canto da sala de controle. Acabou convocado para tocar pandeiro.

Algumas primeiras cópias do compacto chegaram a ir para as lojas, por engano, com a versão com Ringo na bateria. Logo foi substituída pela versão com Andy White na bateria e Ringo no pandeiro – é esta a que todo mundo conhece hoje.

5- Uma forcinha nas vendas

Há 60 anos existe a lenda de que o empresário Brian Epstein, através de sua loja de discos NEMS em Liverpool, teria comprado 10 mil cópias de “Love Me Do” para impulsionar uma subida nas paradas britânicas e botar os Beatles pelo menos no Top 20, ótimo para estreantes. E o disco alcançou o 17º lugar.

Pessoas ligadas a ele admitiram nos anos seguintes que isso provavelmente era verdade. Mas Brian Epstein sempre negou. E John Lennon, já em 1963, também foi veemente em dizer que o empresário não fez isso.

Em sua autobiografia, publicada em 1964, Brian Epstein escreveu: “Mesmo que isso pudesse acontecer – se eu tivesse dinheiro, mas eu não tinha – não fiz isso. Os Beatles chegaram ao sucesso por ímpeto, sem benefício de truques e disfarces”.

“Love Me Do” chegou ao 1º lugar da parada americana. Só que em maio de 1964, quando a beatlemania já estava à toda e a música foi lançada em compacto nos EUA.

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Marcelo Orozco

Marcelo Orozco

Jornalista que adora música, cultura pop, livros e futebol. Passou por Notícias Populares, TV Globo, Conrad Editora, UOL e revista VIP. Colaborou com outros veículos impressos e da web. Publicou o livro "Kurt Cobain: Fragmentos de uma Autobiografia" (Conrad, 2002).

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