As maiores questões sem respostas sobre uma vacina para COVID-19

Uma vacina para o coronavírus que causa o COVID-19 parece ser nossa melhor estratégia para acabar com a atual pandemia. Portanto, vamos rever as questões mais urgentes.
Um técnico de laboratório seleciona amostras de sangue para um estudo de vacina para COVID-19 nos Centros de Pesquisa da América em Hollywood, Flórida, em 13 de agosto de 2020
Crédito: Chandan Khanna/Getty

Uma vacina para o coronavírus que causa o COVID-19 parece ser nossa melhor estratégia para acabar com a atual pandemia. Infelizmente, o prazo mais curto em que os cientistas já conseguiram criar qualquer vacina na história foi de quatro anos e já há muito ceticismo em torno da segurança, disponibilidade e eficácia de qualquer futura vacina para COVID-19. Portanto, vamos rever as questões mais urgentes.

Quando uma vacina poderia estar pronta?

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Cientistas de todo o mundo deram coletivamente um salto no desenvolvimento de vacinas potenciais contra o SARS-CoV-2, o coronavírus que causa COVID-19. Normalmente, candidatas à vacina levam anos de pesquisa antes de chegar aos ensaios clínicos. Agora, há pelo menos três dúzias de candidatas para combater COVID-19 que estão na Fase I ou mais adiante no processo que tem três fases no total.

Como há tantas candidatas a vacinas em desenvolvimento, usando uma variedade de abordagens diferentes, é improvável que não encontremos pelo menos uma história de sucesso (normalmente, cerca de 30% das vacinas que chegam a ensaios clínicos são aprovadas).

Ainda assim, o presidente dos EUA, Donald Trump, causou espanto e alarme entre cientistas e especialistas em saúde pública quando disse recentemente que espera que uma vacina esteja disponível já no final de outubro, antes do dia das eleições por lá.

Na semana passada, a Rússia deu um passo adiante, anunciando que já aprovou uma vacina para uso, de nome de código Sputnik V. Não há quase nenhuma informação disponível sobre a vacina russa, não sabemos ao certo o quão eficaz ela deve ser ou quando estará realmente disponível para o público.

Na quarta-feira (12), o país anunciou que iniciou um ensaio da Fase III da vacina já aprovada, normalmente a última fase da pesquisa clínica necessária antes que um medicamento ou tratamento obtenha a aprovação regulatória dos governos.

O problema é que não há muito o que se possa fazer para acelerar a pesquisa de vacinas, incluindo a parte que envolve a segurança. Espera-se que cerca de 30.000 pessoas nos Estados Unidos recebam a vacina da Moderna no ensaio da Fase III, lançado no final de julho, uma das candidatas mais avançadas. Levará meses para aplicar as doses em cada pessoa e analisar se é menos provável que ela contraia COVID-19 se comparado com um grupo de controle; depois levará ainda mais tempo para analisar esses dados por completo, e mais tempo para os cientistas externos avaliarem os dados e fazerem suas recomendações à Food and Drug Administration (FDA, órgão americano equivalente à Anvisa) para aprovação ou não.

Outras abordagens, tais como expor deliberadamente um grupo de pessoas ao vírus, podem parecer mais rápidas, mas os especialistas disseram que ainda levaria até um ano para realizar tais testes com segurança.

Por mais que todos queiram que uma vacina seja lançada o mais rápido possível, poucos especialistas estão dispostos a cortar qualquer uma destas etapas para economizar tempo. Um dia após Steven Salzberg, um pesquisador e bioestatístico da Universidade John Hopkins, escrever um editorial na Forbes na semana passada pedindo uma implementação limitada de vacinas experimentais para o público –  que recebeu muitas críticas de colegas cientistas – ele escreveu outro, intitulado “Eu estava errado: não podemos pular os testes da Fase 3 de vacinas.

É certamente possível que a administração Trump possa ignorar todos esses especialistas (dificilmente seria a primeira vez que isso aconteceria durante a pandemia) e, de alguma forma, apressar uma vacina para o público justamente a tempo do dia das eleições. Mas mesmo assim, haveria grandes restrições de abastecimento que o mundo ainda não chegou perto de resolver, muito menos os perigos pessoais de tomar uma vacina sem um registro claro de segurança.

“É provável que haja uma vacina em outubro? Não, não é provável. Pode acontecer? Sim, mas não tenho certeza se tomaria essa vacina em particular”, disse Julie Swann, engenheira de sistemas da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que atuou como conselheira científica no lançamento da vacina nos EUA durante a pandemia da gripe suína de 2009.

Um cronograma mais realista, ainda muito otimista, poderia ser o anúncio de um candidato bem-sucedido até o final do ano, com o lançamento acontecendo em algum momento em 2021. Mas, mais uma vez, isso supondo que tudo corra conforme o planejado.

Como podemos estar confiantes de que será segura?

Desconsiderando o movimento anti-vacinas, é compreensível que alguém possa ter preocupações sobre a segurança de uma vacina desenvolvida em tempo recorde.

Neste momento, os sinais de segurança que temos visto dos ensaios de vacinas têm sido, em sua maioria, encorajadores, sem relatos de efeitos colaterais graves. Ao mesmo tempo, foram observados índices relativamente altos de febre e outros sintomas para alguns candidatos.

Nenhuma vacina ou medicamento chega sem efeitos colaterais, mas os benefícios de qualquer vacina que veja a luz do dia devem claramente superar os riscos. Embora uma vacina altamente eficaz que reduza a chance de infecção em 90% ou mais seja ideal, o limiar de sucesso estabelecido pela Food and Drug Administration (FDA) é de 50% de eficácia.

O medo que muitos especialistas e observadores têm é que um processo apressado jogue fora este princípio básico de orientação. E embora o atual chefe da FDA, Stephen Hahn, tenha tentado assegurar às pessoas que a FDA só aprovará uma vacina segura e eficaz, as mensagens mistas da administração Trump, compreensivelmente, deixaram as pessoas desconfiadas. E é importante considerar o papel de influência que os órgãos americanos terão em outros países do mundo, inclusive o Brasil.

“Não creio que uma vacina será usada sem uma avaliação adequada, mas mesmo a percepção de que uma avaliação adequada não foi feita poderia minar não apenas a vacinação contra o SARS-CoV-2, mas a confiança em todas as vacinas e ameaçar seriamente a saúde pública”, disse William Moss, um especialista em doenças infecciosas e vacinas da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins.

Uma maneira de amenizar os medos sobre a segurança é garantir que pessoas de todos os setores demográficos sejam incluídas nos ensaios clínicos. Pessoas negras e mulheres grávidas em particular têm sido historicamente excluídas da pesquisa clínica. E são as comunidades minoritárias que têm sido até agora desproporcionalmente afetadas pela pandemia, tanto em sua exposição ao vírus como em seu risco de morrer por ele.

A FDA, empresas como Moderna e os próprios pesquisadores declararam que estão tentando garantir a diversidade voluntária na pesquisa de vacinas contra COVID-19, mas muitos testes iniciais ainda confiam em grande parte nas mesmas populações homogêneas que a maioria dos testes recruta, e não há nenhuma obrigação de que estes testes sejam representativos da população do país. É por isso também que as vacinas estão sendo testadas em vários países, incluindo o Brasil.

Como disse Moss, é a percepção que importa muito aqui. As taxas de hesitação em tomar vacinas têm aumentado ao longo dos anos, e embora muita dessa hesitação tenha sido alimentada pela propaganda de mentiras do movimento anti-vacinação, há também questões legítimas de desconfiança das comunidades minoritárias em relação ao sistema de saúde dos EUA, inclusive quando se trata de uma vacina contra COVID-19. Qualquer campanha bem-sucedida de vacinação em massa para o novo coronavírus terá que superar esse obstáculo.

Quem vai receber a vacina primeiro?

Não existe nenhuma maneira de termos vacinas o suficiente para o mundo todo, pelo menos no início.

O governo dos Estados Unidos recentemente conseguiu um acordo com a Moderna, bem como com a empresa farmacêutica Pfizer para fabricar e distribuir um lote inicial de 100 milhões de doses de cada um de seus respectivos candidatos a vacina.

Embora a produção esteja prevista para começar enquanto os testes clínicos estão em andamento, espera-se que leve até o final do ano para ter todas essas doses prontas e, de qualquer forma, esse número ainda é inferior a um terço da população dos EUA. Tanto a vacina da Pfizer quanto a da Moderna também provavelmente necessitarão de um reforço um mês ou mais tarde, adicionando mais tensão a qualquer fornecimento disponível.

O Brasil também fechou acordos de produção com duas vacinas que estão em estágios avançados de testes, a do laboratório chinês Sinovac Biotech e a que está sendo desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford.

Sob a luz da logística, governos de todo o mundo e especialistas em saúde pública já estão começando a se preocupar com quem deve receber as primeiras doses de qualquer vacina. Mas qualquer acordo que for fechado é provável que seja confuso.

“Vários grupos estão pensando como seria este processo de priorização em nível estadual, nacional e global, mas sem dúvida será complicado e confuso”, disse Moss. “A maioria das pessoas concorda que os profissionais da saúde e aqueles mais vulneráveis a doenças graves, como os idosos e aqueles com outras condições, devem ser priorizados.”

Durante a pandemia H1N1 de 2009, Swann observou que houve uma controvérsia inicial quando se descobriu que os funcionários de Wall Street haviam saltado para a frente da fila para garantir as primeiras doses escassas da vacina.

Embora não saibamos se algo semelhante aconteceria com uma vacina para COVID-19, já vimos segmentos de elite da sociedade terem acesso preferencial aos testes juntamente com os recursos necessários para evitar a exposição ao vírus, em primeiro lugar. Se esse mesmo padrão se repetir com a vacinação, isso também poderia prejudicar seriamente a vontade das pessoas de tomar a vacina.

“Posteriormente, talvez um ano após uma vacina estar disponível pela primeira vez, haverá quantidade suficiente para todos os que quiserem ser vacinados”, disse Moss. “Mas nem todos querem ser vacinados, em parte devido à desinformação e desconfiança da ciência, autoridades e vacinas. Uma estratégia de comunicação multifacetada é urgentemente necessária para construir a confiança necessária para que aqueles que estão em maior risco aceitem a vacinação.”

Quanto a vacina irá custar?

Esta é provavelmente a pergunta com a resposta mais otimista.

No Brasil, as parcerias envolvem o SUS – tanto a parceria fechada pelo governo federal e a Universidade de Oxford quanto o acordo feito pelo Estado de São Paulo com a Sinovac Biotech e o Instituo Butantan.

Nos EUA, ambos os partidos políticos foram rápidos em seus posicionamentos no início da pandemia sobre os custos potenciais de uma futura vacina, mesmo que saísse do orçamento. Entretanto, em meados de junho, a Casa Branca anunciou que espera que as seguradoras cubram a vacinação sem nenhum co-pagador envolvido; a administração também se comprometeu a fornecer vacinas gratuitas a qualquer população “vulnerável” que não pudesse arcar com elas.

Uma vacina vai trazer de volta a vida “normal”?

A resposta curta é: não, não de imediato.

Como discutido acima, qualquer vacina bem sucedida levará tempo para ser distribuída a todos que a desejarem e, na melhor das hipóteses, isso poderá ser possível até meados do próximo ano. Mas há tantas incógnitas até lá.

As vacinas que estamos vendo na Fase III provocaram uma resposta imunológica em voluntários, mas não sabemos como esta resposta se traduzirá no mundo real na prevenção real de infecções, e os especialistas advertiram que as primeiras vacinas a serem bem-sucedidas podem não ser tão boas assim.

Mesmo uma vacina medíocre seria imensamente útil na prevenção de casos de doenças graves e no embate ao impacto de futuros surtos de COVID-19, mas os perigos da pandemia ainda estariam presentes em algum nível.

Com o tempo, os pesquisadores poderão desenvolver uma vacina que seja altamente eficaz, semelhante a muitas das vacinas agora disponíveis para doenças como o sarampo. Mas o exemplo do sarampo também mostra porque provavelmente teremos que conviver com o COVID-19 durante anos, se não para sempre. Após décadas de progresso na erradicação lenta do sarampo, a doença viral começou a voltar à Europa e aos EUA, em grande parte devido a pequenas comunidades de pessoas que não estão dispostas a vacinar seus filhos.

É importante ter em mente que, apesar de as vacinas existirem desde o século 19, a humanidade só conseguiu erradicar uma doença evitável por vacinação: a varíola. Esperamos que um dia o novo coronavírus seja rebaixado de um desastre que abala o mundo para um mero incômodo da vida cotidiana. Mas é duvidoso que algum dia nos livraremos completamente dele. E as repercussões econômicas, sociais e sanitárias desta pandemia provavelmente reverberarão muito depois que o pior do COVID-19 tiver passado.

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