Nos primeiros 8 meses, vacinação contra Covid evitou morte de até 63 mil idosos, aponta estudo

As estimativas foram apresentadas por pesquisadores do Observatório COVID-19 BR em artigo publicado no The Lancet Regional Health Americas. Confira os detalhes do estudo

A estratégia de vacinação em massa contra a COVID-19, implementada em meio a muita desinformação ao longo da crise sanitária instalada no Brasil, evitou a morte de 54 mil a 63 mil pessoas com 60 anos ou mais entre janeiro e agosto de 2021. Nesse mesmo período, a imunização preveniu de 158 mil a 178 mil internações de idosos nos hospitais brasileiros.

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As estimativas, consideradas conservadoras, foram apresentadas por pesquisadores do Observatório COVID-19 BR em artigo publicado no periódico The Lancet Regional Health Americas. O trabalho teve apoio da FAPESP e contou com a participação de grupos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Fundação Oswaldo Cruz, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do ABC (UFABC) e Universidade de São Paulo (USP).

Para chegar a esses números, os pesquisadores se concentraram nos primeiros meses em que as vacinas começaram a ser aplicadas no país e nas faixas etárias dos idosos, os primeiros a completarem o esquema vacinal pelo calendário do programa de imunização. Ao traçar a curva de mortes e hospitalizações por COVID-19 na população brasileira, sobrepondo-a à curva similar nos grupos de idosos que estavam sendo imunizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2021, ficou evidente a correlação positiva entre vacinação e prevenção de mortes e casos graves: quanto mais crescia a cobertura vacinal nos idosos, menor era o impacto da infecção pelo SARS-CoV-2 nesses grupos com 60 anos ou mais.

Com o modelo de análise construído, assumindo que a imunização está diretamente relacionada à queda de casos graves e mortes e que a exposição ao vírus era a mesma para todas as faixas etárias ao longo do período analisado, foram estimados cenários distintos de forma a compará-los com um suposto cenário de ausência total de imunização. Daí foi possível observar uma redução de aproximadamente 35% nas internações hospitalares de idosos de janeiro a agosto de 2021.

Tomando-se por base que cada pessoa hospitalizada teve, durante a pandemia, um custo médio no Brasil de US$ 12 mil, evitar de 158 mil a 178 mil internações representou uma economia estimada de US$ 1,9 bilhão a US$ 2,1 bilhões ao sistema de saúde, impacto comparado pelos pesquisadores no artigo aos US$ 2,2 bilhões investidos em imunizantes pelo país no período analisado, até agosto de 2021.

“Nosso modelo parte do princípio de que o comportamento da epidemia, nas diversas faixas etárias, é o mesmo. Não no sentido de que eles tenham o mesmo número de casos, mas de que eles têm o mesmo comportamento de subida e descida, mais ou menos no mesmo momento. Se a gente pega uma faixa etária que não está recebendo a vacina naquele momento e compara com uma faixa etária que está recebendo a vacina, há diferença nesse comportamento.

O número de casos graves em idosos começou a descer, enquanto o número de hospitalizações entre pessoas mais jovens continuava a subir. Esse comportamento é devido à vacinação na população mais idosa. Esta é a variável explicativa para a diferença entre as duas faixas etárias”, explica à assessoria de imprensa da Unesp o pesquisador Leonardo Souto Ferreira, primeiro autor do artigo e pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT-Unesp). “O fato de as vacinas terem feito diferença é algo incontestável.”

Mais vidas poderiam ter sido salvas

O estudo vai além de quantificar o número de vidas salvas pelas vacinas no Brasil. A análise dos pesquisadores construiu outros dois cenários para dimensionar quantas vidas poderiam ter sido salvas e quantas hospitalizações poderiam ter sido evitadas caso a vacinação em massa contra a COVID-19 começasse com o ritmo de aplicação de doses mais acelerado, como o verificado quatro semanas depois e oito semanas depois da data inicial da imunização, em 18 de janeiro de 2021. Esses cenários são descritos como de moderada e alta aceleração da imunização, respectivamente.

Embora tenha iniciado em janeiro, a imunização no Brasil foi ganhando escala aos poucos: 250 mil doses por dia foram atingidas entre fevereiro e março, o patamar de 500 mil doses diárias foi alcançado entre abril e maio e o ritmo de 1 milhão de doses por dia se consumou em junho de 2021. Se o ritmo de aplicação de doses da campanha de imunização fosse aquele verificado oito semanas depois de seu início, por exemplo, o número de mortes de idosos poderia ter sido de 40% a 50% menor em relação àquele observado no pico da variante de preocupação (VOC) gama do SARS-CoV-2, segundo o estudo. As estimativas indicam que outras 47 mil vidas de idosos poderiam ter sido salvas e aproximadamente um adicional de 104 mil hospitalizações poderia ter sido evitado num cenário de maior aceleração das imunizações. A disseminação da variante gama foi marcada por uma dramática crise sanitária em Manaus, no Amazonas, em janeiro do ano passado e determinou atitudes mais extremas por parte de alguns agentes públicos, como o lockdown decretado em fevereiro na cidade de Araraquara (SP).

“Ainda que não pudéssemos evitar a emergência da variante gama, visto que ela surgiu em novembro e as vacinas foram disponibilizadas em janeiro, uma vacinação rápida poderia diminuir consideravelmente o pico de hospitalizações e óbitos, especialmente entre idosos e principalmente nos Estados em que essa cepa demorou um pouco a chegar”, afirma a pesquisadora Flávia Maria Darcie Marquitti, do Instituto de Física Gleb Wataghin e do Instituto de Biologia, ambos da Unicamp.

O estudo destaca que, em meados de 2021, a imunização da população brasileira cumpriu um “papel decisivo” para impedir uma nova onda severa de hospitalizações e mortes quando outra variante de preocupação do SARS-CoV-2, a delta, começou a se disseminar pelo país e tornar-se predominante. Àquela altura, a vacinação já estava em ritmo bastante acelerado, similar ao de campanhas anteriores, como na aplicação de doses contra o vírus H1N1 em 2010, quando o SUS vacinou 88 milhões de pessoas em três meses. “Quando a delta chegou, encontrou dificuldade maior de circular”, diz Marcelo Gomes, coautor do estudo e pesquisador da Fiocruz.

Os pesquisadores destacam que as vacinas de primeira geração contra a COVID-19 permitem que o nosso organismo “aprenda” sobre determinado vírus sem que a pessoa sofra o impacto da infecção trazida por ele, evitando o risco de agravamento e de morte. “Isso precisa ficar muito claro para a nossa população. As vacinas têm um impacto social tremendo, não só direto quanto indireto. Quanto menor for o número de internações, melhor podemos alocar os recursos para atender aqueles que ainda assim acabam agravando ou que sofrem de outras doenças”, pontua Gomes.

Apesar de o estudo se concentrar na população acima dos 60 anos, para os pesquisadores ele dialoga com a questão da vacinação infantil. Aprovada na segunda quinzena de dezembro de 2021, a imunização do público de 5 a 11 anos foi iniciada na segunda quinzena de janeiro de 2022, coincidindo com o pico da variante ômicron do SARS-CoV-2. Os questionamentos criados em torno da vacinação infantil contribuíram para o que os pesquisadores chamam de “hesitação vacinal”, ou seja, dúvidas por parte da população em relação à segurança e à eficácia dos imunizantes. Desde o início da pandemia, em março de 2020, a COVID-19 já causou a morte de cerca de 689 mil pessoas no país.

Além da FAPESP, os autores também receberam apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e da Inova Fiocruz.

O artigo “Estimating the impact of implementation and timing of the COVID-19 vaccination programme in Brazil: a counterfactual analysis” pode ser lido aqui.

* Com informações da Unesp e da Fiocruz.

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