Cobras ou sopa de morcego? Cientistas dizem que é difícil apontar origem de coronavírus

No começo desta semana, cientistas apontaram que o novo coronavírus que surgiu na China poderia ter vindo das cobras. Mas a comunidade científica está cética em relação a essa afirmação. Veja o porquê:
Um membro da equipe verifica a temperatura corporal de uma criança depois que um trem de Wuhan chegou à Estação Ferroviária de Hangzhou em Hangzhou, China. Foto: Getty

Ainda há muitas questões em aberto sobre o novo coronavírus que surgiu na China. Conforme ele avança, pesquisadores tentam desvendar suas origens e há muito debate na comunidade científica sobre os estudos publicados até agora.

Quando casos do novo coronavírus foram relatados pela primeira vez por médicos na China em dezembro de 2019, o surto estava limitado a pessoas que tinham visitado um determinado mercado de alimentos, muitos deles vivos, em Wuhan, onde provavelmente a transmissão ocorreu pelo contato com animais. No início desta semana, uma pesquisa indicou que havia indícios de que 2019-nCoV poderia ter vindo de cobras.

Até agora foram registradas 26 mortes e 939 infecções — a maioria na China continental, além de cinco casos na Tailândia, três em Taiwan, e dois em Hong Kong, Japão, Macau, Coreia do Sul, Vietnã e EUA cada.

Agora, outros pesquisadores contestam essa afirmação e todos eles afirmam que ainda é muito cedo para cravar qual é a origem animal do coronavírus — e pode ser que não tenha nada a ver com cobras, nem com sopa de morcegos, como começou a circular pela internet nesta sexta-feira.

Entendendo o método para identificar a origem

É preciso entender o método utilizado pelos cientistas para tentar encontrar a origem animal do coronavírus. Os esforços estão concentrados nisso porque muitos cientistas suspeitam que um animal desconhecido portador do 2019-nCoV espalhou o vírus para seres humanos num mercado de frutos do mar e animais selvagens vivos em Wuhan, onde os primeiros casos foram registrados.

Uma força-tarefa chinesa conseguiu para isolar e sequenciar o vírus e compartilhou um rascunho do seu genoma em uma base de dados pública no início deste mês para que outros grupos pudessem desenvolver maneiras de diagnosticar o coronavírus, uma iniciativa importante para que os casos fossem confirmados em outras partes do mundo, como aponta a Wired.

Esse foi o mesmo material utilizado pelos cientistas chineses que publicaram o artigo no periódico Journal of Medical Virology que afirmava que o coronavírus tinha vindo de cobras. Para chegar nessa conclusão, eles pegaram o material genético e analisaram os códons — as três letras do RNA ou DNA que estudamos no ensino médio, que são as instruções para fazer proteínas.

Cada organismo tem o seu próprio viés de uso de códon para fazer as suas proteínas. Alguns vírus se adaptam a novos hospedeiros adotando seu viés de códon. A equipe do estudo comparou os codóns preferidos do 2019-nCoV com os códons preferidos de potenciais hospedeiros: humanos, morcegos, galinhas, ouriços, pangolins e duas espécies de cobras.

Os vieses mais parecidos com os códons do 2019-nCoV estavam nos dois tipos de cobra — Naja atra (cobra chinesa) e a cobra da espécie Bungarus multicinctus. Com essas informações, eles sugeriram que as cobras seriam o hospedeiro animal mais provável para o novo coronavírus.

Acontece que essa é uma maneira indireta de identificar um hospedeiro animal, segundo Edward Holmes, um zoólogo do Instituto de Doenças Infecciosas e Biossegurança da Universidade de Sydney, que foi entrevistado pela Wired.

Ele diz que o método funciona melhor quando se olha para espécies de espectros diferentes da hierarquia taxonômica — pense em vírus de plantas e mamíferos, por exemplo. Quando os grupos estão mais próximos, como acontece em mamíferos e répteis, fica mais difícil separar padrões significativos, especialmente com amostras de poucas espécies.

“Pode haver outras espécies que tem vieses mais parecidos que as cobras, mas não sabemos porque simplesmente não foram colocadas na análise”, diz Holmes.

Diversos cientistas estão céticos pois não existem casos documentados de répteis que hospedem coronavírus que possam transmitir aos humanos, ainda mais pela natureza de sangue frio.

O 2019-nCoV, e o seu parente mais próximo, a SARS (síndrome respiratória aguda grave), pertencem a um subgrupo conhecido como beta-coronavírus, que são conhecidos apenas por infectar mamíferos.

Falando à revista Nature, o virologista Paulo Eduardo Brandão, da USP, diz que “não há evidências de que cobras possam ser infectadas por esse novo coronavírus e que sirvam como hospedeiras”. Brandão tem estudado se os coronavírus são capazes de infectar cobras e diz que “não há evidências consistentes de que os coronavírus se hospedem em outros animais que não mamíferos e aves.”

Análises preliminares dos dados genéticos divulgados pelas autoridades chinesas sugerem que 2019-nCoV está relacionado com um grupo de coronavírus que normalmente infectam morcegos. Mas por diversas de razões — incluindo o fato de ser inverno na China e os morcegos estarem hibernando — muitos cientistas suspeitam que algum outro animal moveu o vírus de morcegos para humanos. E pode ser que não tenha sido as cobras.

Os sintomas do coronavírus são parecidos com o de uma pneumonia. Então, as pessoas que contraem o vírus têm febre, tosse, falta de ar e dificuldade em respirar. Acredita-se que a transmissão se dê de uma forma similar ao vírus da gripe e já foi confirmada que há contágio entre humanos. O período de incubação e a origem do vírus ainda não foram identificados.

Situação do coronavírus no Brasil e na China

O Brasil já descartou pelo menos cinco casos de coronavírus: um em Minas Gerais, Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O caso de mais repercussão foi o da paciente de Minas Gerais, amplamente noticiado na quarta-feira — a paciente já teve alta e os exames realizados pela Fiocruz, no Rio de Janeiro, confirmou que ela tinha rinovírus humano, o mais comum entre os agentes virais associados a infecções no trato respiratório superior.

A OMS adverte que essa é certamente uma emergência para a China, mas tem hesitado em chamá-la de emergência internacional, uma vez que todas as mortes e a maioria das infecções têm estado dentro das fronteiras da China. O painel de especialistas da OMS pode se reunir novamente a qualquer momento se a situação mudar.

A região de Wuhan foi restrita com interrompimento de viagens de avião e trem, por exemplo. Uma série de atrações turísticas e negócios fecharam por todo o país asiático, que tenta conter a disseminação da doença.

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