As piores desculpas de executivos do mundo da tecnologia em 2019
Mesmo vistas à distância no Twitter, as notícias sobre o mundo dos negócios desenvolveu o seu próprio sub-gênero macabro e espetacular: a desgraça do valentão corporativo. É 2019, o documentário sobre a Theranos [uma startup que prometia analisar sangue de pacientes com apenas uma gota] já apareceu e sumiu, mas não tem um dia que não ouvimos falar de um novo melodrama de algum alto executivo.
Nós acompanhamos com certo entretenimento as reclamações feitas por esses valentões às 2h da manhã no Twitter; vimos com certa estupefação o vilão digno de filme do James Bond se livrar de acusações. Especulamos sobre o processo de pensamento que levaria um CEO a investir em uma startup que produz ondas em piscinas enquanto sua companhia implode, ao mesmo tempo que o desenrolar ficcional da história dele está sendo idealizada por algum canal de TV.
As ações estão em baixa, e a mídia está paralisada. Enquanto isso, os políticos iniciaram investigações, e hashtags pedindo o cancelamento desses executivos se tornam virais no Twitter. Ou seja, está tudo indo de mal a pior. Se um CEO consegue sair dessa confusão, na pior das hipóteses, com US$ 500 milhões, então o que ele deve fazer a seguir é se preparar para enfrentar os microfones.
Agora, você pode estar se perguntando: como essas pessoas se desculpam? Convocamos alguns especialistas em gerenciamento de crise para comentar alguns grandes casos de desculpas esfarrapadas dadas por executivos durante este ano.
Dois pesos, duas medidas
“A distração flagrante é uma tática mal-sucedida”, disse Lindsey Carnett, CEO e presidente da Market Maven, ao Gizmodo.
“Por exemplo, se a rede Popeye’s começar a doar dinheiro para um fundo de câncer infantil e a fazer anúncios sobre isso para distrair os consumidores do fato que as pessoas estavam ficando doentes por causa de seus sanduíches de frango, em vez de reconhecer o que está acontecendo e assumir responsabilidade com um pedido de desculpas ou propondo uma solução, disciplina ou mudança na política, os consumidores veriam esta tática como uma forma de distração e o evento provavelmente viralizaria por meio das mídias sociais, chegando ao ponto de a marca ser cancelada na internet.”
“As pessoas têm feito muitas críticas, como ‘por que vocês mudaram seu logotipo para arco-íris, mesmo que tenha tomado essa decisão difícil?’. É porque, como uma companhia, nós realmente queremos apoiar esta comunidade. E que do ponto de vista político, precisamos ser consistentes. Porque, veja, se derrubássemos esse conteúdo, haveria tantos outros conteúdos que precisaríamos derrubar. Não queremos ser precipitados, precisamos pensar sobre de uma forma muito ponderada…”
— CEO do YouTube, Susan Wojcicki, em uma “meia-desculpa” dez dias após o apresentador do Vox Carlos Maza ter tuitado evidências de que um vlogger de direita estava fazendo ataques homofóbicos sistemáticos contra ele há anos. Enquanto isso, o YouTube atualizou o seu logotipo com um arco-íris para celebrar o mês do orgulho gay.
CEO do YouTube, Susan Wojcicki. Crédito: Getty Images
A arte do memorando
“Você pode estar do lado dos fatos todos os dias, e eu compreendo isso”, disse Jason Sherman, presidente da Sherman Communications. “Mas parecerá vazio e insensível.”
“Nós deveríamos dar mais tempo a vocês para digerirem melhor as mudanças”
— Jason Chicola, CEO da Rev.com [uma empresa que paga para quem fizer transcrição de áudio], em um longo memorando explicando o sistema de notas de trabalhadores do rev.com, que tiveram grandes cortes em seus pagamentos, adicionando que “a margem de lucro continua a mesma”.
Captura de tela do serviço Rev.com, que faz transcrição de áudios
Dane-se!
“O pior de tudo é quando uma companhia diz ‘sem comentários’. Quando isso ocorre, o público tipicamente considera uma admissão da falha, mas sem a devida desculpa”, disse Lindsey Carnett, CEO e presidente da Marketing Maven. Segundo ela, este “é o motivo por que toda empresa deveria ter um plano de crise de comunicação para redigir um comunicado e deixar pronto um pedido de desculpas quando chegar a hora”.
“…”
— Adam Neumann, ex-CEO da WeWork, em outubro de 2019 após deixar a companhia com US$ 1,7 bilhão no bolso. Apesar de sempre dar palestras, ao deixar a empresa que ajudou a fundar, não disse nada.
Ex-CEO do WeWork Adam Neumann. Crédito: Getty
Culpa suficiente para distribuir para os outros
“Evite sempre dar desculpas ruins com uma abordagem do tipo ‘se isto/então aquilo’, que acaba colocando o ônus sobre a pessoa ofendida, e não o ofensor — ‘se você se sentiu ofendido por X, lamentamos'”, observou um representante de relações públicas da Motion. “Além disso, nunca use a palavra ‘mas’ para qualificar suas desculpas com um aviso de isenção de responsabilidade ou de compartilhamento de culpa com a outra parte. Oferecer desculpas e assumir total responsabilidade, bem como prometer ações específicas para garantir que o erro não volte a acontecer, são elementos-chave de um pedido de desculpas eficaz.”
“Primeiramente, eu diria que lamento que os filhos deles estejam usando o produto [cigarro eletrônico]. Não foi feito para eles. Espero que não tenhamos feito nada que os tornassem atraente. Como pai de um adolescente de 16 anos, sinto muito por eles [os pais preocupados com filhos usando cigarro eletrônico] e tenho empatia por eles em termos dos desafios pelos quais os pais estão passando.”
— Ex-CEO da Juul Kevin Burns, em um pronunciamento em julho de 2019, sobre uma matéria da CNBC que falava da batalha dos pais contra a FDA (Food and Drug Administration) sobre a epidemia do uso de cigarros eletrônicos entre jovens.
Ex-CEO da Juul, Kevin Burns. Crédito: Captura de tela
Tuíte e veja o que acontece
“Acho que qualquer tipo de pedido de desculpas que esteja ocorrendo precisa ser genuíno, e o tom dessa mensagem deve ser em um tom que represente que a pessoa está sendo sincera”, afirmou Andrew Schetter, diretor de serviços da agência de marketing digital Webimax. “O maior erro que alguém pode cometer é tentar fingir o pedido de desculpas… isso só tornará as coisas piores”.
“…minhas palavras foram ditas com raiva depois que o senhor Unsworth disse várias mentiras e sugeriu que eu praticasse um ato sexual com o minissubmarino, que foi construído como um ato de bondade e de acordo com as especificações do líder da equipe de mergulho. No entanto, suas ações contra mim não justificam minhas ações contra ele e, por isso, peço desculpas ao senhor Unsworth e às empresas que represento como líder. A culpa é minha e só minha.”
— Elon Musk, em julho de 2018, após chamar um mergulhador que ajudou no resgate de 12 crianças na Tailândia de “pedófilo”.
Elon Musk. Crédito: Getty Images
“Pedo guy [ou pedófilo] era um insulto comum usado na África do Sul, quando eu era criança. É sinônimo de ‘velho assustador’ e é usado para insultar a aparência e o comportamento de uma pessoa, e não para acusar uma pessoa de pedofilia”.
—Elon Musk, em setembro de 2019, em um processo de difamação aberto pelo mergulhador da caverna que foi chamado de “pedófilo”.
Você é um mago das desculpas
“A chave é a clareza e direção da mensagem”, disse Josh Weiss ao Gizmodo. “O comunicado deve indicar clara e simplesmente em que a empresa está concentrada durante a crise e o que a empresa fará após o término da crise inicial. Isso lhe dará tempo para entender melhor o problema, permitindo que você se desculpe uma vez pelo erro geral depois de saber por que está se desculpando. Desculpar-se cedo demais significa que você pode precisar pedir desculpas várias vezes e fazer com que parecia que você não entendia direito o que está acontecendo durante uma crise que você deveria resolver.”
“Este é exatamente o equilíbrio [da parte boa e da parte ruim do Twitter] sobre o qual temos que pensar profundamente. Mas, ao fazer isso, precisamos examinar como o produto funciona. E onde os abusos mais acontecem: respostas, menções, pesquisas e trending topics. Esses são os espaços compartilhados que as pessoas se aproveitam.”
— Jack Dorsey, CEO do Twitter, em fevereiro de 2019, em uma de suas muitas entrevistas incoerentes abordando diferentes formas de corrigir a rede.
Jack Dorsey, CEO do Twitter. Crédito: Getty Images
Silencie os minions
Você está sofrendo as consequências depois que seus ex-funcionários conversaram com um veículo de imprensa sobre suas práticas desumanas de trabalho e abuso emocional em sua empresa de malas? Não prove que eles estão certos.
“Às vezes, eu me expressava de maneiras que machucavam a equipe. Posso imaginar como as pessoas se sentiam lendo as mensagens; fiquei chocado e envergonhado ao lê-las. Não tenho orgulho do meu comportamento nesses momentos e lamento sinceramente o que disse e como eu disse. Era errado. Simples assim.”
— CEO da Away, Steph Korey, em dezembro de 2019 ao pedir desculpas um dia após o Verge detalhar as práticas da Away ao repreender os funcionários, monitorar suas comunicações e forçá-los a trabalhar até às 3 da manhã e nos feriados.
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— Gerentes da Away em dezembro de 2019, instruindo os funcionários a não discutirem a reportagem do Verge horas antes do tuíte de desculpas do CEO da companhia.
Peça desculpas
“A falta dessa simples palavra [no caso, perdão ou desculpa] é bastante aparente e vibrante, não é?”, observou Sherman. “Todos fomos criados com certas maneiras. Penso que no mundo global multibilionário de uma empresa cujo produto está em cada um de nossos dispositivos, e já infiltrou cada elemento da nossa vida, se resume a: o que sua mãe e seu pai ensinaram a você?”. Sim, é feio, mas tem muita companhia que não pede desculpas.
“Disse, naquele momento, algo em que eu não acredito”
— CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, após ter sido criticado por chamar o assassinato e desmembramento do jornalista Jamal Khashoggi de um “erro” que deve ser levado a “sério” e que pode ser “perdoado”.
CEO da Uber, Dara Khosrowshahi. Crédito: Getty
Ativismo até a página dois
“Quando você tem um homem que cede a qualquer pressão, você não chega a lugar algum”, disse Sherman. No caso quando a pressão vem da trilionária Arábia Saudita, isso parece ter outra dimensão.
“Somos uma marca de entretenimento, não nos sentimos nada mal com isso”
— CEO da Netflix, Reed Hastings, ao censurar a série Patriot Act com Hasan Minhaj na Arábia Saudita para acalmar o governo local. No episódio, Minhaj critica duramente o regime do país, ligando, inclusive, a morte do jornalista Jamal Khashoggi às autoridades sauditas.
Reed Hastings, CEO da Netflix. Crédito: Getty