Por que sediar a Copa América é diferente de sediar Brasileirão e campeonatos estaduais

Entre os dias 13 de junho e 10 de julho, a Copa América terá 10 seleções sul-americanas em nosso país. Mesmo com a adoção de certas medidas provisórias, o evento pode ser mais prejudicial à contenção da pandemia do que jogos estaduais

A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) oficializou na manhã da última terça-feira (1) que organizará a Copa América em um só país. O evento futebolístico, que antes seria compartilhado entre Colômbia e Argentina, será sediado no Brasil – o mesmo território cujo número de mortes diárias por COVID-19 ainda beira a casa dos 2 mil, em segundo lugar no ranking mundial por números absolutos.

À escolha da Confederação Brasileira de Futebol, as cidades de Brasília, Cuiabá, Goiânia e Rio de Janeiro abrigarão o evento internacional entre os dias 13 de junho e 10 de julho.

Neste cenário, muitos questionam por que um país deveria abrigar um torneio de 10 times de todo o continente em meio a uma pandemia que continua matando muita gente? E algo muda quando esse mesmo país libera os campeonatos estaduais e nacional?

Quem estará protegido?

Como condição de acontecer no Brasil, um comunicado do Governo Federal criou como medida de precaução que a própria Conmebol, responsável pelos gastos da Copa América, precisasse vacinar todos os envolvidos na competição, da arbitragem à imprensa. Cada delegação também precisa contar com, no máximo, 65 pessoas – logo, 650 membros no total. A menos de uma semana do início do evento, apenas metade das 10 seleções estão vacinadas.

Em entrevista ao Gizmodo Brasil, o professor Valdes Roberto Bollela, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP/USP), diz que o fluxo de estrangeiros é o que mais difere a Copa América dos demais jogos disputados dentro do país. “Não há nenhuma razão em dizer que ‘tem campeonato brasileiro, tem campeonato regional acontecendo’, pois não é o mesmo que trazer pessoas de outros lugares. Do ponto de vista prático, há vinda de várias pessoas, de vários países, em um momento que ainda está crítica a pandemia no Brasil”.

Valdes relembra a situação atual: menos de 15% da população brasileira está com a segunda dose, mas o país “só estará protegido quando 85% da população estiver imunizada“. A cepa indiana, descoberta ainda ano passado, pode ter uma disseminação ampliada em função de eventos como a Copa América. Para ele, não há sentido algum a realização da Copa América neste momento no Brasil.

Estamos com a economia quebrada e você não quer situações como Dia das Mães, Carnaval ou Ano Novo. Toda vez que acontece, tem fechamentos logo depois. Isso acaba com a economia. É difícil encontrar uma razão para que isso [a realização da Copa América] seja defensável – exceto interesses particulares.

Com exceção dos jogadores que atuam no futebol francês, como Neymar, Lucas Paquetá e Marquinhos, e do técnico Tite, até o momento que este texto foi ao ar, a Seleção Brasileira não estava vacinada. A previsão é que isso aconteça ainda nesta semana, após o jogo contra o Paraguai. Os times do Peru, Argentina e Colômbia são outros com a mesma pendência.

Os jogadores não serão obrigados a tomar as vacinas. A Seleção Brasileira poderá tomar as duas doses da Coronavac num intervalo de 14 dias — menos que o recomendado como ideal, de 28 dias.

Incoerência a nível nacional

Uma prática incomum poderia solucionar os riscos da Copa América e também de outras partidas de futebol em solo brasileiro. “Mesmo com nossos campeonatos nacionais, precisaríamos ter um sistema de bolha. Em vez de serem distribuídos esses jogos uma vez por semana e o time se desloca, seria melhor seguir o campeonato com um intervalo de 15 ou 20 dias, com todo mundo recluso”, sugere Camila Sacchelli Ramos, especialista em doenças infecciosas e professora de Ciências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Ramos, no entanto, acredita ser “incoerente não autorizar uma Copa América” com outros torneios de futebol acontecendo.

Ainda assim, a professora acredita que mais cuidados deveriam ser tomados. Para ela, um dos grandes obstáculos do torneio latino é o tempo. Com a lógica do curto intervalo até o início dos jogos, a quarentena projetada em outros países (de 14 dias), não seria possível aqui. “Precisaríamos, depois de uma semana, repetir o teste após a viagem” como forma de anular qualquer equívoco de falsos-negativos entre apresentação de sintomas e suspeita de contágio.

A divisão de jogos em quatro estados é outro agravante. São Paulo ficou de fora, algo que deveria (em teoria) amenizar os riscos, mas não é o caso. Para a especialista, a ausência de fronteiras estaduais é o que contribui para evitar a contenção do vírus. “O que me chama a atenção é que a gente se preocupa em questionar tudo isso [no campeonato] enquanto as pessoas viajam todos os dias de São Paulo para outros estados”.

A publicação do governador João Doria sobre a exclusão de São Paulo do torneio aconteceu seis horas após o anúncio do país e três horas antes da notícia das cidades inclusas. O portador da tal informação foi o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, que agradeceu em vídeo especialmente ao presidente do nosso país por sua “eficiência na tomada de decisões”.

Ramos defende que o ideal seria “ter criado uma região, como uma [única] cidade sede” para os jogos da Copa América. É inegável, no entanto, que o risco existe mesmo no Brasileirão, como reforça Ramos.

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Ainda que as seleções estejam em segurança, mais um fator de peso que difere a Copa América dos outros jogos nacionais é o calor do torcedor. “Já temos em um país com todo o movimento de bares quando há jogo de futebol. A preocupação não existe no momento da euforia e esse é um risco que a gente não controla”, conclui Ramos.

Há mais de um século o Brasil teve dilema semelhante. No entanto, na época, desistimos de sediar a Copa América por causa de outra pandemia –- no caso,  a gripe espanhola.

 

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