Qual religião os robôs devem seguir? Hindus levantam debate
O debate sobre o alcance da IA (inteligência artificial) em nossas vidas subiu a um novo nível: afinal, qual religião os robôs devem seguir (se é que devem seguir alguma)? Esse questionamento ganhou pulsão com robôs fabricados para servir em rituais do hinduísmo. Em especial na Índia, o que acendeu um grande alerta dos especialistas.
Em um artigo para a revista The Conversation, a antropologista norte-americana Holly Waters, que é especialista em religião, mostrou como existem preocupações substanciais em torno do uso de robôs para contextos religiosos.
Ela cita como exemplo os braços robóticos construídos pela empresa indiana Patil Automation para realizar o ritual “aarti”. A prática consiste em acender uma lamparina em homenagem aos deuses hindus como símbolo da remoção da escuridão. Veja:
Em outro caso, um templo de Kerala, ao sul da Índia, substituiu um elefante real por um robô do mesmo tamanho para que devotos praticassem seus rituais sem crueldade animal.
O robô tem três metros de altura e uma estrutura de ferro e revestimento de borracha. Enquanto isso, o elefante verdadeiro, que pesava 800 kg, foi doado para uma organização de apoio à saúde animal (foto abaixo).
Robôs têm religião?
Segundo Waters, a preocupação sobre o uso de IA na religião tem como base uma “ansiedade espiritual generalizada”. É quase como se os humanos percebessem que os robôs são “melhores em adorar os deuses”, o que pode causar conflitos internos sobre o significado da vida e o lugar de cada um no universo.
É o mesmo questionamento de Takeshi Kimura, da Universidade de Tsukuba, do Japão, e autor de um artigo sobre o assunto na revista científica Social Compass. Segundo ele, os robôs podem passar a impressão de que, diferente das pessoas, são “espiritualmente incorruptíveis”. Isso os tornaria uma “alternativa melhor” para a prática religiosa.
A primeira consequência é um paradoxo cultural: a religião parece se tornar melhor se não envolver nenhum humano. Só que foi a própria humanidade que criou a religião para dar sentido à vida e explicar sua existência no mundo.
Em outros casos, a proliferação do uso de robôs pode afastar as pessoas da prática religiosa. Enquanto os templos começam a depender mais da automação do que dos praticantes para cultivar a adoração às divindades, os jovens se afastaram da prática espiritual nas últimas décadas.
Dúvidas pela frente
O uso abundante da automação nos rituais é especialmente preocupante para tradições como hindus e budistas, que usam da ortopraxia. Ou seja, privilegiam o comportamento litúrgico ante crenças específicas em doutrinas religiosas.
“Em outras palavras, aperfeiçoar o que você faz da sua prática religiosa é visto como mais necessário para o avanço espiritual do que qualquer coisa em que você acredita pessoalmente”, explicou Waters.
A pergunta, agora, é como tanta automação poderá beneficiar os rituais espirituais. Outra dúvida é se o uso simultâneo de robôs para incorporar o divino podem refletir as visões religiosas de seus engenheiros, por exemplo.
Ainda é difícil prever o que vem pela frente – e ainda mais qual (ou mesmo se) os robôs deverão seguir uma religião algum dia.