Uma rede de câmeras registra e monitora os trágicos incêndios florestais na Califórnia
A crise que está acontecendo agora na Califórnia é diferente de tudo que o estado já viu. Uma área do tamanho de Rhode Island queimou no intervalo de uma semana. Grandes incêndios florestais que engolfaram o estado meses antes do pico da temporada. Relâmpagos devem causar ainda mais chamas nos próximos dias.
Cada imagem dos incêndios, de fotógrafos profissionais nas linhas de frente a satélites a 30 mil quilômetros no espaço, mostrou o alcance alarmante das chamas. Mas alguns dos registros mais viscerais vieram de câmeras de time-lapse montadas nos contrafortes e montanhas que foram invadidas pelas chamas.
Sentado no meu apartamento em Nova York, vi o time-lapse de um incêndio florestal marchando em direção a uma colina e queimando diante das lentes até o último momento antes de a câmera ser destruída. Eu quase pude sentir o calor enquanto involuntariamente me afastava da tela.
As câmeras não estão lá apenas para assustar quem tem a sorte de estar a 5 mil quilômetros de distância. Elas fazem parte de uma rede chamada ALERTWildfire, criada por sismólogos que, como Graham Kent, diretor do Laboratório Sismológico de Nevada, brincou, “se cansou de esperar pelo Big One”. Parece que o Big One — o grande terremoto que poderia devastar a Califórnia e é esperado há décadas — não será o responsável por acabar com o estado. Antes dele, incêndios devastarão o lugar, em meio a um clima cada vez mais quente e volátil.
A rede foi projetada para ajudar os bombeiros a identificar chamas nascentes e apagá-las. Ela foi inicialmente testada na área do Lago Tahoe. Desde então, o sistema foi ampliado para cobrir o estado da Califórnia inteiro, além de Nevada e Oregon. Nos últimos dois anos 600 novas câmeras foram instaladas. São câmeras de monitoramento padrão, com recursos para inclinar e dar zoom. As imagens de cada local são transmitidas ao vivo para o ALERTWildfire.
As câmeras permitem que os bombeiros verifiquem as chamadas de incêndio e enviem rapidamente todos os recursos necessários para apagá-los. Kent disse que uma rede de voluntários surgiu em Orange County, com cerca de 400 pessoas se revezando em turnos para monitorar as imagens das câmeras nos dias de alerta vermelho, quando o perigo de incêndio é alto.
Em um mundo quente, onde os recursos para combater incêndios são preciosos — porque os orçamentos de combate a incêndios estão no limite e porque grandes incêndios se tornaram mais comuns e disseminados — essa ideia faz todo o sentido. Os líderes dos grupos de combate a incêndios podem ter saber como atacar as chamas e evacuar as áreas conforme necessário. Mas o barril de pólvora desta semana sobrecarregou os bombeiros e o sistema de câmeras.
“Até este ano, você recebia uma ligação, confirmava com uma câmera, eles mandavam um ataque aéreo, acabavam com o fogo cedo e partiam para o próximo”, disse Kent, “Agora, [a rede de câmeras] se tornou uma ferramenta de triagem.”
É difícil de colocar em perspectiva a temporada de chamas que envolveu a Califórnia. Pelo menos 560 incêndios florestais foram causados por uma tempestade com relâmpagos bizarros que coincidiu com uma onda de calor com recordes de temperaturas.
Dois dos incêndios iniciados nesta semana já estão entre os maiores da história do estado. Um número de bombeiros equivalente à população de uma pequena cidade (pelo menos 12 mil enquanto escrevo este texto) foram despachados para todo o estado como um tecido fino tentando conter uma parede de chamas.
Dezenas de milhares de estruturas estão em perigo, e milhões de pessoas em todo o estado precisaram ser deslocadas, foram mantidas no limite das chamas, ficaram sem energia em blecautes ou alguma combinação dos três, tudo isso no meio de uma pandemia.
É uma crise em cascata sem fim à vista, especialmente antes dos temidos ventos de Santa Ana e Diablo, quando a maioria dos incêndios começa.
Kent disse que até sexta-feira dez câmeras do grupo tinham sido queimadas. Mas ter a capacidade de monitorar centenas de outras câmeras seria um sonho para a maioria dos estados e até mesmo países. No ano passado, a rede de câmeras permitiu que os líderes dos bombeiros evacuassem as pessoas que estavam no caminho do incêndio de Kincade, resultando em zero vítima nas primeiras 24 horas da evacuação generalizada.
Em comparação, a Austrália não tinha nada do tipo para guiá-la durante a catastrófica temporada de incêndios florestais no verão austral passado. Pelo menos 30 pessoas morreram diretamente por causa incêndios australianos e 445 morreram de doenças relacionadas à fumaça, enquanto cenas dramáticas de milhares de pessoas presas em praias sob um céu vermelho-sangue mostravam como avisos antecipados fizeram falta para que as evacuações fossem feitas com antecedência.
Os bombeiros e as comunidades que vivem em uma paisagem sujeita a incêndios sempre serão os primeiros a se beneficiar de um sistema como o ALERTWildfire, algo que pode literalmente salvar vidas, fornecendo minutos preciosos para a evacuação. Mas ainda acho que ele é uma ótima ferramenta para entender a gravidade da crise que enfrentamos.
Essas câmeras testemunham um clima sem precedentes na história da humanidade, causado pelas mentiras do indústria petrolífera, pela ganância dos serviços públicos e por um sistema voraz de crescimento vinculado a combustíveis fósseis. Elas transmitem algo visceral e primitivo. Sinto isso ao observar as altas nuvens de fumaça e chamas famintas consumindo tudo em seu caminho, enquanto as câmeras se inclinam, dão zoom, tentando o melhor ângulo para o fogo destruidor.
O último momento antes de a câmera do Monte Vaca ficar fora do ar devido ao incêndio. Captura de tela: Earther
Kent comparou as tentativas da câmera de obter uma imagem das chamas à nossa própria luta para entender a situação. “A câmera está tentando ver o que está acontecendo, então é quase como um humano em pânico”, disse ele. “Estamos realmente passando por uma tragédia cada vez pior e isso vai piorar a cada ano.”
Senti o mesmo pânico e a mesma sensação de tragédia observando os incêndios esta semana, embora estivesse sentado a milhares de quilômetros de distância deles. Em um mundo onde esses incêndios enormes estão se tornando cada vez mais frequentes, e aqueles encarregados de nos proteger não têm recursos, há muito o que temer — e muito o que fazer para que o aumento das temperaturas do planeta não acabe conosco.