Sem visto para continuar na Inglaterra, brasileira vai para os EUA terminar jogo de realidade virtual

por Bruno Izidro Ana Ribeiro está em algum café da cidade de Londres quando começo a falar com ela pelo Skype. O sorriso no rosto e a simpatia enquanto conversamos até conseguem disfarçar, mas é possível perceber um cansaço na voz da desenvolvedora. Também não é pra menos: Ana está há dois meses ocupada com […]

por Bruno Izidro

Ana Ribeiro está em algum café da cidade de Londres quando começo a falar com ela pelo Skype. O sorriso no rosto e a simpatia enquanto conversamos até conseguem disfarçar, mas é possível perceber um cansaço na voz da desenvolvedora. Também não é pra menos: Ana está há dois meses ocupada com a campanha no Kickstarter de seu jogo de realidade virtual Pixel Ripped 1989 e, se só isso já não fosse o bastante para desgastar as energias de qualquer um, ela ainda está enfrentando problemas com o seu visto para permanecer na terra da rainha.

Ana mora no Reino Unido há cinco anos e durante todo esse tempo possuía visto de estudante por estar cursando desenvolvimento de jogos na National Film and Television School, onde ela iniciou o desenvolvimento do seu jogo VR, até então chamado Pixel Rift. Porém, isso mudou a partir de dezembro do ano passado, quando o curso foi finalizado. “Meu visto [de estudante] expirou em abril, e fui atrás de outro tipo de visto para continuar aqui”, fala. Foi então que Ana esbarrou na complicada burocracia da lei de imigração britânica.

Um visto permanente estava fora de questão, já que é necessário estar morando no mínimo dez anos no país. Então, como ela abriu – junto com uma sócia – um pequeno estúdio indie para continuar o desenvolvimento do agora renomeado Pixel Ripped 1989, Ana tentou tirar um visto chamado “Entrepreneur”, voltado para empreendedores, mas os pré-requisitos para ele eram muitos custosos. “Aqui na Inglaterra a empresa precisa ter 200 mil libras para solicitar o visto de trabalho de um funcionária (no caso eu mesma)”, conta. Outra tentativa foi o visto de trabalho “Talento Excepcional”, para aqueles que tivessem realizado algum feito em ciências e artes. Também não deu certo.

A insistência da desenvolvedora em permanecer no velho continente tem um motivo, já que ela não esta mais sozinha tocando o projeto do Pixel Ripped. Ana está trabalhando no jogo junto com a artista 3D britânica Stef Keegan, fora outros colaboradores que também são de lá. Ana bem que tentou trabalhar com eles a distância, mas as dificuldades foram grandes. “Quando meu visto expirou e eu tive que voltar pro Brasil a gente trabalhou três meses assim. Eu no Brasil e ela aqui [Na Inglaterra] e não deu certo, a internet de São Luiz [do Maranhão, terra natal de Ana] é complicada”, relata. Atualmente Ana está de volta ao Reino Unido com visto de turista, que tem validade de apenas seis meses.

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Fora todo esse stress, a brasileira ainda tinha que lidar com as dores de cabeça comuns de todo desenvolvimento, aumentadas por se tratar de um jogo VR e que sofreu mudanças. Antes uma experiência de realidade virtual que teria cinco fases ao todo, Pixel Ripped agora é uma série de cinco jogos separados (há alguns meses falamos dessas mudanças por aqui), sendo que o primeiro deles, Pixel Ripped 1989, teve que ser desenvolvido de novo do zero, para se adequar ao desejo delas em lançar para outras plataformas de realidade virtual, desde o Samsung Gear VR (que é, basicamente, um smartphone) até o Project Morpheus, da Sony.

Além disso, no intuito de lançá-lo comercialmente, ela e a sócia Stef Keegan começaram a procurar por investimentos de empresas, da forma mais tradicional, o que se provou uma decepção. “Foi um fiasco”, fala Ana. “Teve investidor que queria todo o direito autoral do jogo, podendo dispensar a gente depois que tudo estivesse feito e a gente não ganhar nada. Nossa, teve até gente que queria que a gente transformasse em um MMO ou que fizesse o jogador pagar mensalmente. Não é isso que a gente quer pro Pixel Ripped”.

A última alternativa, então, foi o Kickstarter. Mas se uma campanha para um jogo normal já é um desafio, imagina de um game para plataformas que ainda estão engatinhando ou nem sequer ainda estão disponível para o público. Por isso, passados metade da campanha, das 40 mil libras (mais de R$ 207 mil na cotação de hoje) pedidas para desenvolver somente o primeiro jogo, Pixel Ripped 1989, pouco menos de 10 mil foram arrecadados.

Kickstarter

 

Então, não era à toa o tom de cansaço e até um pouco de desânimo na voz de Ana enquanto ela me contava toda essa história pelo Skype. Mal sabia ela que as coisas começariam a mudar, literalmente, da noite pro dia.

As garotas do Vale do Silício

Um dia depois da nossa primeira conversa, Ana me fala que tinha novidades para compartilhar. A Pixel Ripped, empresa que abriu para desenvolver o jogo, foi selecionada por uma aceleradora de stratups chamada Boost, que incentiva projetos de realidade virtual e Bitcoin. O melhor é que essa aceleradora fica no Vale do Silício, nos EUA.

Ana explica que, nesse primeiro momento, elas vão ficar três meses por lá e receber uma ajuda de US$ 20 mil da para trabalhar no jogo. “A vantagem maior é que vamos estar no Silicon Valley, podendo trabalhar com outras empresas que estão fazendo realidade virtual, então a gente vai estar em um ambiente bom para ter contatos e encontrar investidores”, conta.

O convite foi uma surpresa enorme e ela está indo para os Estados Unidos já nos próximos dias. Com isso o problema do visto britânico não fica sendo mais um empecilho tão grande (pelo menos por enquanto), então a ideia agora é poder finalizar o Pixel Ripped 1989 nesses três meses, que deverão ser intensos para as desenvolvedoras. Ana fala que, na pior das hipóteses, elas vão conseguir adiantar bastante o projeto para lançar o jogo ainda esse ano para o Gear VR da Samsung, que é o plano original dela.

A campanha no Kickstarter, porém, ainda continua, já que o dinheiro seria necessário para contratar uma terceira pessoa para dar suporte a equipe. “Minha experiência como programadora é muito curta e tem muitas coisas em que eu perco tempo porque ainda estou aprendendo, parte de UI (User Interface), menus, interface, essas coisas. A gente precisa de alguém com conhecimento melhor de programação pra me ajudar”, conta.

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Ana Ribeiro tem uma história bem interessante até chegar onde está agora (contamos ela no ano passado, na época do Kotaku) e essa reviravolta parece ser finalmente o que vai transformar em realidade o projeto que é sua grande paixão, muito mais do que só apenas ganhar dinheiro. “Eu falo pros meus amigos [do Maranhão] que não sonho em casar, em ter filhos, mas esse jogo é que é a minha realização de vida. Muitos vezes ninguém entende porque um videogame pode ser importante pra mim e não um casamento”, desabafa Ana. Agora a mais nova garota do Vale do Silício pode finalmente realizar isso.

Jogando as escondidas

Depois dessa história você pode ter ficado curioso por Pixel Ripped 1989. Ele é, ao mesmo tempo, um jogo quase autobiográfico de Ana e também metalinguístico. Isso porque na experiencial de realidade virtual controlamos uma menina, Nicola, que está jogando o jogo Pixel Ripped em seu portátil durante uma aula no colégio. Ou seja, é um jogo dentro de outro.

O desafio de Pixel Ripped 1989 é dobrado. Primeiro por causa do jogo no portátil, que é realmente um game completo, com quatro níveis e mais um chefe. Já o desafio no ambiente virtual é evitar que a professora te pegue no flagra enquanto joga, daí aparecem as velhas táticas de colocar o portátil debaixo da carteira ou dos livros. “Quando o jogo começa a professora só fica no quadro negro, isso enquanto você está no primeiro nível do Pixel Ripped (o jogo portátil), quando se passa de nível a professora começa a andar pela sala, aí fica mais difícil esconder que se está jogando”, explica a desenvolvedora.

Essa estrutura, de que algo externo vai te impedir de jogar, vai estar presente em todos os outros jogos, que representam eras importantes dos videogames. Após o 1989, eles pensam em voltar ainda mais no tempo com Pixel Ripped 1978 (Atari), depois 1984 (Arcades), 1995 (Snes/Mega Drive) e 1999 (Nintendo 64). Em cada um deles haverá versões do jogo Pixel Ripped que condizem com a época, dos gráficos simplórios do Atari até o começo do 3D com o Nintendo 64.

Como agora todos os jogos serão separados, eles terão uma média de 40 minutos a 1 hora de duração e com muito mais conteúdo do que o originalmente planejado. Já para aqueles que não se empolgaram por não poderem experimentar o jogo VR, Ana confirma que uma versão para PC, com as devidas limitações por não ser de realidade virtual, será lançado paralelamente. Pixel Ripped até já foi aprovado no Greenlight do Steam.

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