Tecnologia

Tuvalu: sob o risco de afundar, ilha pode se tornar a 1ª nação digital

Segundo estimativas de cientistas, em 2050, 50% da capital Funafuti, onde mais da metade da população reside, estará debaixo d’água.
Imagem: Tuvalu.tv/Divulgação

Você pode nunca ter ouvido falar em Tuvalu, mas a pequena nação insular do Oceano Pacífico está sob o holofote global. Devido às mudanças climáticas, Tuvalu pode ser uma das primeiras nações a ser inundada completamente por conta da elevação do nível do mar. Pensando nisso, o país lançou o projeto de se tornar a 1ª nação digital do planeta.

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Nesta semana, o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, anunciou um “SOS” climático global em uma cúpula das ilhas do Pacífico, revelando uma pesquisa que mostra que os mares da região estão subindo mais rapidamente do que as médias globais.

Tuvalu é uma ilha entre o Havaí e a Austrália, com menos de 12 mil habitantes. A elevação média do país é cerca de 3,4 metros acima do nível do mar, tornando a nação extremamente suscetível aos impactos do aquecimento global.

Nos últimos 30 anos, Tuvalu implorou aos países industrializados que reduzissem suas emissões. Similarmente, as temperaturas globais e os eventos climáticos extremos aumentaram consideravelmente nas últimas três décadas.

Imagem: Wikimedia Commons/Reprodução

Segundo estimativas de cientistas, em 2050, 50% da capital Funafuti, onde mais da metade da população reside, estará debaixo d’água. Em 2100, 95% da pequena nação estará afundada.

Tuvalu e o mundo digital

Quem usa a Twitch para streaming de games, certamente, já observou que o domínio do site é “twitch.tv”. O “.tv” não significa “televisão”, mas, sim, “Tuvalu”. Durante a criação de domínios nacionais de nível superior, como “.br”, Tuvalu recebeu o valioso código “.tv”.

Com pouca área para atividades comerciais e poucos habitantes – Tuvalu tem um aeroporto, um hospital e uma estrada –, seria um desperdício não explorar o potencial econômico de um domínio tão valioso.

Portanto, em 1998, dois anos após o domínio “.tv” surgir, Tuvalu formou parcerias com empresas norte-americanas para gerenciar e comercializar o domínio. Em 2000, Tuvalu usou seu primeiro US$ 1 milhão que lucrou com a comercialização do domínio para financiar a entrada do país na ONU.

Em 2019, royalties do domínio “.tv” correspondiam a  8,4% da receita pública de Tuvalu, sendo a segunda maior fonte de renda da nação. Assim, a remota ilha do Pacífico ganhou moral internacional, desempenhando um papel importante nos debates sobre as mudanças climáticas da ONU, além de entrar para o FMI em 2010.

Atualmente, com o risco de afundar, tudo o que Tuvalu conseguiu através de seu valor no mundo digital pode desaparecer com a nação – incluindo o domínio “.tv”.

No entanto, o governo de Tuvalu explora uma solução para preservar a nação — e nada melhor que uma solução digital. Para lidar com o risco de afundar, Tuvalu lançou uma impressionante iniciativa: se tornar a primeira nação digital do mundo.

Através dos lucros obtidos pelo domínio “.tv”, o governo de Tuvalu financiou o “Projeto Futuro Agora”.

Preservação de Tuvalu em um mundo digital 

A iniciativa foi anunciada pelo ministro de Relações Internacionais do país durante a 27 ª Conferência do Clima da ONU, em 2022.

No discurso, ministro Simon Kofe revelou que o projeto tem três objetivos:

  • planos para conter os impactos das mudanças climáticas na infraestrutura do país
  • digitalização da herança cultural de Tuvalu
  • manutenção do domínio “.tv” e de suas propriedades intelectuais relacionadas

Com isso, o governo de Tuvalu lança um projeto para manter a soberania do país mesmo se a nação afundar, apresentando uma migração digital dos serviços governamentais e artefatos históricos.

“Conforme nossa terra desaparece, não temos escolha a não ser nos tornarmos a primeira nação digital”, disse o ministro ao lado da primeira réplica digital de uma ilha de Tuvalu, durante discurso na COP27.

Aliás, Tuvalu ressuscita um termo que, assim como “NFT”, parecia ter sumido do mundo digital: “o metaverso”. A intenção do governo de Tuvalu adicionar esses elementos a um metaverso, permitindo que o país possa manter sua identidade cultural mesmo se deixar de existir.

Por isso, os lucros do domínio “.tv” serão úteis para capturar detalhes riquíssimos, como grãos de areia e a direção das marés, através do uso de imagens de satélite e drones de alta capacidade.

Sistemas de LIDAR para criação de nação digital do país Tuvalu

Imagem: Tuvalu.tv/Divulgação

De acordo com o ministro Kofe, durante a COP28, em maio deste ano Tuvalu já completou um escaneamento 3D de todas as 124 ilhas e ilhotas do país, além de começar a aprimorar sua rede de comunicações para estabelecer a primeira nação digital.

Além disso, o governo já começou a explorar o desenvolvimento de um sistema de identificação digital usando blockchain para conectar todos os tuvaluanos. Veja:

Se Tuvalu afundar, como fica o domínio “.tv”

O projeto de Tuvalu como nação digital, embora promissor, pode dar errado por motivos legais. Caso as mudanças climáticas façam Tuvalu afundar, vão surgir discussões sobre Estado e soberania.

De acordo com o direito internacional, um território físico é um pré-requisito para o reconhecimento de um estado. Para que a nação digital seja reconhecida internacionalmente, Tuvalu lançou a seguinte emenda à constituição:

“O Estado de Tuvalu, em suas estruturas legais, culturais e históricas, deve continuar eterno no futuro, a despeito dos impactos das mudanças climáticas ou outras causas que possam resultar na perda do território físico de Tuvalu”.

Atualmente, a soberania da nação digital de Tuvalu é reconhecida por 25 países, com o COP redefinindo o território da nação, ressaltando que sua condição como Estado continuará independentemente dos impactos das mudanças climáticas.

No entanto, o domínio “.tv” representa um problema maior.

Em 2021, o ICANN, órgão responsável pela gestão de domínios internacionais, revelou que “se o elemento nacional do domínio for removido, o domínio não existirá”. Ou seja, se Tuvalu afundar, o domínio “.tv” vai desaparecer.

O ICANN justifica essa decisão afirmando não ser de sua alçada decidir o que é ou não um país.

Pablo Nogueira

Pablo Nogueira

Jornalista e mineiro. Já escreveu sobre tecnologia, games e ciência no site Hardware.com.br e outros sites especializados, mas gosta mesmo de falar sobre os Beatles.

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