União Europeia finaliza texto da lei de direitos autorais que reescreve as regras da internet, e isso não é nada bom

Nova diretiva de direitos autorais da UE que ainda não foi votada em definitivo avança com os temidos Artigos 11 e 13, que ameaçam a liberdade na rede
Getty Images

Durante dois anos, a União Europeia tem refletido sobre uma séria revisão da sua legislação em termos de direitos autorais. Mas, no ano passado, se tornou cada vez mais claro que as disposições fundamentais da diretiva sobre direitos autorais que se aproxima representam uma séria ameaça ao livre intercâmbio de informações online, à cultura de uso justo e à capacidade das startups de competir. Na quinta-feira (14), os legisladores finalizaram o texto da lei e, infelizmente, quase não há boas notícias.

A última vez que a UE alterou suas leis de direitos autorais foi em 2001. Portanto, a ideia de atualizar os regulamentos na era da informação fez muito sentido. Mas os críticos ficaram alarmados com duas seções do projeto de lei: o Artigo 11 (conhecido como a “taxa de link”) e o Artigo 13 ( também chamado de “filtros de upload”). Em 2018, críticos como Tim Berners-Lee, o inventor da World Wide Web, começaram a advertir que essas partes da legislação teriam consequências terríveis e indesejadas.

Os legisladores esperam lutar contra parte do poder que tem sido absorvido por gigantes da tecnologia como o Facebook e redirecionar dinheiro para os detentores de direitos autorais e editores de jornais, revistas e sites de notícia em dificuldades. Infelizmente, a lei pode criar um ambiente que só é navegável pelas organizações mais ricas e poderosas. Como disse o fundador da Wikipédia, Jimmy Wales, “isso é um completo desastre”.

Se você já leu nossas explicações anteriores sobre os problemas com a diretiva de direitos autorais, parabéns, você basicamente está por dentro do que está acontecendo. As maiores questões permanecem as mesmas, embora o conselheiro da Electronic Frontier Foundation, Cory Doctorow, tenha chamado essa nova versão de “a pior de todas“.

O texto final do Artigo 11 ainda procura impor uma “taxa de link” às plataformas sempre que elas utilizarem um hyperlink para uma publicação de notícias e citar um pequeno trecho de texto. Mesmo uma pequena empresa ou um indivíduo que administra um blog monetizado pode enfrentar penalidades por linkar a um artigo e reproduzir “palavras únicas ou extratos muito curtos” do texto sem primeiro adquirir uma licença.

A ideia é fazer com que uma empresa como o Google largue o dinheiro que seria redirecionado para os canais de notícias. Mas o Google disse que pode simplesmente fechar o Google Notícias na União Europeia, assim como fez na Espanha, quando uma legislação semelhante foi implementada no país. Os editores perderiam o aumento de tráfego que obteriam se os usuários fossem encaminhados para os seus sites por meio do Google Notícias. E, talvez mais importante ainda, as plataformas e os indivíduos de menor porte serão desencorajados a compartilhar e citar informações. De acordo com Julia Reda, membro do Parlamento Europeu da Alemanha, “teremos de esperar para ver como os tribunais interpretam o que ‘muito curto’ significa na prática — até lá, o hyperlink (com trechos) ficará preso em incerteza jurídica”.

O Artigo 13 segue exigindo que as plataformas façam todo o possível para impedir que usuários publiquem materiais protegidos por direitos autorais. Nós nos acostumamos a sistemas como o do YouTube, que obedecem a avisos de remoção depois que um usuário submete conteúdo que não pertence a ele. Mas a União Europeia quer que as plataformas impeçam isso antes mesmo que aconteça. Será praticamente impossível, mesmo para as maiores empresas, cumprir essa diretiva.

Sob a legislação, qualquer plataforma terá de utilizar filtros de upload para detectar material ilegal. O YouTube gasta milhões de dólares para tentar aperfeiçoar o seu sistema, e ele segue sendo completamente horrível. As empresas menores terão que, supostamente, licenciar algum tipo de sistema caso a criação de um internamente não seja uma opção. E, como os críticos têm enfatizado desde o início, os webmasters mais paranoicos irão simplesmente restringir qualquer coisa que possa causar problemas a eles. Quem iria querer ir a tribunal para defender o uso justo de um meme de Stranger Things publicado por um usuário?

O texto final do Artigo 13 também estipula que as plataformas serão responsabilizadas por qualquer violação de direitos autorais, a menos que demonstrem que fizeram os “melhores esforços para obter uma autorização”. Se algo passar e a plataforma mostrar que fez tudo o que podia para impedi-lo, essa plataforma pode receber um “perdão”, desde que aja “rapidamente” para remover o conteúdo ofensivo e faça “melhores esforços para prevenir” quaisquer ocorrências futuras. Isso deixa um bom espaço para interpretação, mas a eurodeputada Reda interpreta as regras como significando que a única solução segura é fazer tudo ao seu alcance para “comprar preventivamente licenças para qualquer coisa que os usuários possam possivelmente publicar — ou seja: todo o conteúdo protegido por direitos autorais no mundo”.

Depois de rodadas de debates e protestos, o Artigo 13 enfim incluiu algumas isenções. Enciclopédias online sem fins lucrativos, por exemplo, são especificamente citadas como sendo excluídas dos regulamentos. Mas “sem fins lucrativos” não está especificamente definido. O texto diz que a diretiva deve se aplicar apenas a “serviços online que desempenham um papel importante no mercado de conteúdo online, competindo com outros serviços de conteúdo online”. Desde o início, esse tipo de imprecisão tem sido a principal razão pela qual os críticos dizem que ambos os artigos devem ser simplesmente descartados.

O processo labiríntico de aprovação de leis na União Europeia é simultaneamente uma bênção e uma maldição nesta situação. Há ainda algumas formas diferentes de essa legislação desmoronar antes de ser submetida a uma votação completa perante o Parlamento. A menos que seja morta pelo caminho, espera-se que a diretiva seja posta em votação no final de março ou início de abril. Isso seria antes das eleições parlamentares de maio, o que significa que vai acontecer exatamente no momento em que os políticos enfim ouvem o que os seus eleitores lhes dizem ser importante. Resta ver se isso será complicado demais para se tornar uma verdadeira questão eleitoral.

[Artigo 11, Artigo 13, Wall Street Journal]

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