Quanto tempo pode demorar até desenvolvermos uma vacina para o coronavírus?
Enquanto o recém-descoberto coronavírus ameaça tomar conta da China e se espalhar ainda mais para além das fronteiras do país asiático, governos e pesquisadores se esforçam para criar uma vacina preventiva. Mas será que ela chegará tarde demais para ajudar as pessoas? E será possível que tenhamos perdido o momento ideal antes que o vírus se desenvolvesse?
O número relatado de casos do 2019-nCoV continua a subir. Já são quase 4.000 casos notificados do vírus, além de 81 mortes, predominantemente na China.
Até agora, o epicentro permanece no país asiático, onde várias cidades têm entrado em quarentena para impedir a transmissão. Também foram identificados casos em dezenas de países fora da China continental – envolvendo pessoas que pegaram o vírus em Wuhan e depois viajaram para outros lugares. Porém, alguns pesquisadores de saúde pública alertam que já pode ser tarde demais para conter o surto dentro do país continental.
Enquanto os governos tomam medidas para impedir que o vírus se espalhe ainda mais, seja por meio de triagens nos aeroportos ou restrição de viagens, Estados Unidos, China e pesquisadores de outros países anunciaram planos para desenvolver uma vacina.
Não faz muito tempo que cientistas abraçaram a missão de criar uma vacina para uma doença emergente que irrompeu num surto: em 2014 o mundo viu o maior surto do Ebola, enquanto que em 2016 o zika vírus se espalhou por toda a região das Américas.
A tentativa de criar a vacina não foi rápida o suficiente para conter as crises que aconteciam naqueles momento. Apesar disso, atualmente existe uma vacina aprovada e altamente eficaz para o Ebola, que ajudou a conter um novo surto que começou no ano passado, e as potenciais vacinas para o zika continuam em fase de experimentação.
Vacina para o coronavírus já está em desenvolvimento
Para o 2019-nCoV, a história pode ser diferente.
“Já estamos trabalhando nisso. E esperamos que em um período de cerca de três meses possamos iniciar uma fase I de testes em humanos”, disse Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, à Bloomberg News na semana passada. Entre junho e setembro, assumindo que não haja contratempos, poderemos começar a ver uma vacina sendo distribuída em uma base experimental.
Se os cientistas realmente conseguirem completar o trabalho neste período, esse seria o desenvolvimento mais veloz entre descobrir uma nova doença e encontrar uma maneira de nos vacinarmos contra ela. Caso aconteça, o sucesso deve ser atribuído, em grande parte, à forma com que comunidade global de pesquisadores se uniu contra um inimigo comum.
Grupo de profissionais de saúde usa roupas de proteção para tentar impedir a propagação do novo coronavírus que surgiu em Wuhan, na província central de Hubei, na China, acompanhando um paciente (2º da esquerda). Foto: STR/AFP via Getty.
Poucos dias após o primeiro caso do 2019-nCoV ser registrado na China, pesquisadores do país sequenciaram os dados genéticos do vírus e, mais importante ainda, o compartilharam com o resto do mundo. Essa transparência permitiu que pesquisadores de todo o mundo estudassem rapidamente os aspectos internos e externos do vírus e começassem a tentar criar uma vacina para ele.
Na segunda semana de janeiro, a revista Science noticiou que os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA havia fechado um contrato com a empresa de biotecnologia Moderna para começar a trabalhar em uma vacina contra o coronavírus. Na semana passada, a Coalition for Epidemic Preparedness Innovations anunciou que estava financiando três equipes de pesquisas, incluindo a da Moderna, para criar as suas versões de uma vacina.
Poderíamos estar mais adiantados
Ao mesmo tempo, essa corrida é um exemplo da natureza frequentemente reativa do desenvolvimento de vacinas, segundo Peter Hotez, reitor da Escola Nacional de Medicina Tropical do Baylor College of Medicine, no Texas.
“Nós temos um sistema quebrado para dois tipos de vacinas. Um são vacinas para doenças potencialmente pandêmicas como o Ebola ou a SARS, e o outro são vacinas para doenças tropicais negligenciadas”, disse ele a Gizmodo. “E isso acontece porque nenhuma dessas vacinas tende a gerar lucros.”
Hotez e a sua equipe trabalham há anos numa vacina contra um vírus estreitamente relacionado com 2019-nCoV: o vírus que causa a SARS (síndrome respiratória aguda grave).
Em testes com ratos, a vacina da equipe pareceu altamente eficaz na prevenção de quaisquer sinais de infecção ou doença prolongada da SARS. Até 2017, eles publicaram pesquisas mostrando que poderiam facilmente e com segurança produzir a vacina em massa, usando levedura para o cultivo. Mas esse foi o ponto alto da pesquisa.
O trabalho tinha sido amplamente financiado pelo governo dos EUA por meio dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), e o governo se recusou a enviar o dinheiro que necessitavam para prosseguirem os estudos em humanos.
De forma prática, uma vacina contra a SARS pode ter parecido desnecessária naquele momento. Em 2002, a SARS ganhou notoriedade após adoecer mais de 8 mil pessoas e matar quase 800, também na China, durante um período de seis meses. Mas a doença não é vista em seres humanos desde julho de 2003, e essa variedade do vírus foi provavelmente extinta.
No entanto, como este surto atual mostra, existem muitos outros coronavírus capazes de saltarem a barreira de outras espécies e chegar nos humanos, como aconteceu com a SARS. Num mundo que priorizasse o desenvolvimento proativo de vacinas, disse Hotez, talvez estivéssemos muito melhor preparados para o coronavírus de Wuhan.
“Essa foi uma das maiores frustrações que tivemos. Quando a SARS desapareceu, ninguém quis investir numa vacina contra ela. Assim, nos últimos três, quatro anos, ela ficou ali guardada num congelador”, disse Hotez. “Se tivéssemos um sistema mais antecipado, essa vacina teria passado por todos os testes de segurança necessários e, potencialmente, estaria pronta para ser testada em humanos desde o início.”
Ainda assim, o trabalho de Hotez e da sua equipe pode não ter sido em vão. Os cientistas mostraram que o coronavírus de Wuhan é geneticamente semelhante ao vírus da SARS. Essa proximidade deverá fazer com que qualquer vacina destinada à SARS possa ser adaptada para funcionar com o novo coronavírus.
Hotez disse que esteve em conversas com o NIH e outras agências federais dos EUA para reiniciar a pesquisa de sua equipe, e ele acredita que poderiam começar a trabalhar imediatamente se conseguissem a liberação, com resultados práticos. Um dos primeiros resultados possíveis é testar se sua vacina é segura para ser usada em humanos.
“Potencialmente, se avançarmos agora e tudo se alinhar, estamos falando de semanas ou meses até que a pesquisa clínica possa avançar ao ponto de coletarmos informações sobre a segurança de uso em pacientes”, disse ele.