Com 21,3 mil hectares, o Parque Estadual do Desengano, no norte do estado do Rio de Janeiro, não possui luz artificial e fica totalmente isolado das cidades ao redor. Quem passa a noite por lá pode enxergar a vastidão da Via Láctea de uma forma inimaginável. Principalmente para quem só viu o céu com a interferência das luzes da cidade.
Não é por acaso. Desde 2021, o parque que é um dos antigos do Brasil assumiu um compromisso com a IDA (Associação Internacional do Céu Escuro, na sigla em inglês), entidade líder no combate à poluição luminosa em todo o mundo. Isso significa que a área não tem nem terá qualquer interferência de luz externa, mantendo a Mata Atlântica nativa na total escuridão.
Essa medida é uma forma de proteção ao ecossistema local. A total ausência de luminosidade evita efeitos negativos sobre muitas plantas e animais, desde insetos até anfíbios e mamíferos.
Um exemplo são as tartarugas marinhas: quando estão na praia e precisam voltar para o oceano, esses animais buscam o brilho da lua no mar como guia. Se há luzes artificiais, elas se afastam do oceano e perdem-se no caminho, o que ocasiona a morte de milhares, em especial filhotes.
Além de ajudar na preservação das espécies, não ter nenhuma luz também é um atrativo para fãs do astroturismo, setor que começou a crescer na região fluminense desde a adesão.
“Nas cidades, a poluição luminosa é tão grande que cria um arco de luz que não permite que vejamos o céu em sua profundidade”, disse Carlos Dário, gestor do Parque Estadual do Desengano, ao Giz Brasil. “Como no parque o céu está muito limpo, temos uma noção do infinito que é o universo. Quem observa perde a conta de estrelas cadentes, parece uma chuva de meteoros”.
Único parque certificado na América Latina
O Parque Estadual do Desengano é um dos 115 parques certificados pela organização, sendo o único da América Latina. Ao todo, são 201 locais com certificação, com maioria nos EUA e na Europa.
De modo geral, o processo de adesão é complexo e tem várias etapas. No caso do Parque do Desengano, por exemplo, foi um ano desde a consulta prévia até o envio de documentos e análise final. Eles se basearam na inscrição feita por um parque do Japão.
“É um processo rigoroso porque a associação precisa da garantia de que aquele lugar está assumindo um compromisso real”, explicou Marcelo de Oliveira Souza, físico e professor de astronomia na UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense). “Se passou é porque teve uma longa avaliação”.
Marcelo coordena o Clube de Astronomia Louis Cruls, de Campos de Goytacazes, que participou do processo de certificação do parque. “Sempre realizamos eventos de astronomia e tínhamos a preocupação de diminuir a iluminação artificial para observar o céu”, conta.
Ajustes necessários
O grupo viajava para fazer observações em diversos locais, incluindo Santa Maria Madalena, que é onde está a sede do Parque do Desengano. Em uma das excursões, em 2015, conversou com David Straker, um dos membros da IDA, que incentivou a adesão.
“Levamos a proposta para a direção do parque, que apoiou a iniciativa”, lembra Souza. “A partir daí, ficamos responsáveis pela parte da astronomia e eles [direção do parque] pela questão de estrutura”.
Os ajustes necessários na sede do parque incluíam a retirada de postes desnecessários e troca de luminárias para lâmpadas com luz amarela mais fraca. A substituição não impede a observação e o ciclo fisiológico das espécies que vivem na área de conservação.
“Para ser reconhecido, não basta ser um local com boa visibilidade do céu e pouca iluminação artificial”, disse Souza ao Giz Brasil. “É preciso criar condições para preservar isso no futuro. Agora, somos o único parque na América Latina onde há garantia oficial de que se manterá sem iluminação artificial”.
Um comitê permanente da IDA revisa as candidaturas periodicamente. É possível ver como fazer a inscrição neste link.
Astroturismo
Como o parque tem 200 km de perímetro, não há uma única entrada e as pessoas podem acessar livremente a área, o que dificulta a contagem exata de visitantes após a adesão à IDA. Mas a unidade percebeu a diversificação das visitas com as mudanças que fez em favor do céu escuro.
Na sede, em Santa Maria Madalena, o parque criou um planetário a céu aberto. As pessoas são convidadas a identificar planetas e as principais constelações visíveis com ajuda de astrônomos. “Muitos grupos nos procuraram para fazer atividade no parque, já recebemos várias excursões de pessoas que querem ver como o céu de lá”, conta Souza.
Agora, outros parques e áreas de conservação do Brasil buscam Dário para saber como entrar na associação e reduzir a poluição luminosa desses espaços.
“Todo mundo que vai a um parque durante o dia quer ver animais, montanhas, rios. Aqui abrimos a visitação também à noite, então o olhar vai para cima da copa das árvores. É como se fosse uma nova camada protetiva, um segundo parque acima do que conhecemos”, pontuou.