Gêmeas chinesas geneticamente editadas podem ter capacidade cognitiva aumentada como efeito colateral
O nascimento de bebês na China com material genético supostamente editado foi uma das histórias de ciência mais estranhas e perturbadoras do ano passado. Ela acaba de ficar ainda mais esquisita, pois, segundo cientistas, a alteração no DNA para criar imunidade ao HIV pode também melhorar a capacidade cognitiva dessas crianças.
De acordo com a MIT Technology Review, estudos em ratos de laboratório mostram que a eliminação do gene CCR5 — feita nas gêmeas Lulu e Nana pela equipe liderada pelo cientista He Jiankui — leva a melhorias não apenas na atividade cerebral, mas também na recuperação de derrames.
A pesquisa foi realizada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles e revelou mais características da relação entre o gene CCR5 e a memória e a formação de conexões no cérebro. O laboratório da instituição já tinha feito estudos nesse sentido em 2016, e um novo artigo mostra que pessoas que não possuem o gene naturalmente parecem se recuperar mais rapidamente de acidentes vasculares cerebrais, além de irem mais longe nos estudos, o que sugere que elas sejam mais inteligentes.
“A interpretação mais simples é que estas mutações provavelmente terão um impacto nas funções cognitivas das gêmeas”, diz Alcino J. Silva, neurobiologista da Universidade e um dos cientistas envolvidos no estudo a alteração genética nos ratos de laboratório. Ele, porém, adverte que é impossível prever o que pode acontecer com tal alteração em humanos e, por isso, ela não deve ser feita.
Segundo a publicação do MIT, não há evidências que o cientista chinês He Jiankui tenha feito a alteração genética com esse fim. A revista diz ter falado com vários pesquisadores da relação do CCR5 com as capacidades cognitivas e todos eles dizem que Jiankui não os procurou.
Esse tipo de assédio, porém, existe, de acordo com o que Silva conta.
Silva diz que, por causa de sua pesquisa, ele às vezes interage com pessoas no Vale do Silício e em outros lugares que, em sua opinião, tem um interesse doentio em bebês com cérebros melhores. É por isso que, quando o nascimento dos gêmeos se tornou público em 25 de novembro, Silva diz que ele imediatamente se perguntou se tinha sido uma tentativa desse tipo de alteração. “De repente, percebi… Ah, merda, eles estão realmente falando sério sobre essa besteira”, diz Silva. “Minha reação foi de repulsa e tristeza viscerais.”
Silva ainda destaca que a pesquisa de sua equipe é importante para ajudar pessoas que sofreram derrames ou portadores de HIV, que, às vezes, podem enfrentar problemas de perda de memória. “Problemas cognitivos são uma das maiores necessidades não atendidas em medicina”, comenta o cientista. Ele diz que tratar esse tipo de problema é completamente diferente de tentar criar melhorias, o que ele condena veementemente.
Parece que esse roteiro digno de ficção científica está bem longe de chegar ao fim.