A variante gama do SARS-CoV-2 já circulava em Belém, no Pará, em maio de 2020, cerca de nove meses antes de sua detecção oficial no Brasil, ocorrida em Manaus em janeiro de 2021. É o que aponta estudo publicado nesta quarta (5) na revista “Frontiers in Public Health” e conduzido por pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale (ITV), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Também classificada como P.1, a variante se tornou prevalente no Brasil e esteve associada ao aumento de internações e mortes ocorrido entre janeiro e junho de 2021.
A pesquisa sequenciou o total de 1.003 amostras do SARS-CoV-2 coletadas de maio de 2020 a outubro de 2022 no estado do Pará. Destas, 290 (28,9%) eram pertencentes à variante gama, 53 (5,3%) eram delta e apenas sete (0,7%), ômicron. Houve ainda 651 (64,9%) casos classificados como variantes não preocupantes, ou seja, aquelas que não tinham virulência suficiente para se tornarem um problema de saúde pública.
“O estudo hipotetiza que, na verdade, a gama já estava no Pará pelo menos desde maio de 2020, mas passou despercebida por muitos meses”, diz Amanda Vidal, pesquisadora do ITV e uma das autoras do artigo. Ela explica que a gama ainda não havia sido classificada como variante de preocupação. Esse espaço de tempo, segundo a pesquisadora, pode ter contribuído com a dificuldade do país em lidar com aquele momento da pandemia. “Imagine se tivéssemos detectado a variante em maio. Estaríamos mais preparados para a onda que ocorreu em Manaus entre o final de 2020 e início de 2021. Os hospitais estavam nitidamente despreparados para lidar com o conjunto de sintomas causados pela P.1, mais graves do que a variante anterior”. Quando foi identificada, a gama já estava se tornando a variante prevalente na região e no Brasil.
A gama acabou se tornando prevalente na América do Sul, mas não teve a mesma inserção em outras regiões do planeta. No primeiro semestre de 2021, enquanto o Brasil lidava com uma forte onda de infecções causadas por ela, a maior parte do mundo estava mais preocupada com as variantes alfa, delta e, em especial, a ômicron. No Norte do país, a ômicron chegou mais tarde, e os pesquisadores teorizam que a forte presença da gama pode ter contribuído com esse atraso. “A ômicron foi mais branda, mas em compensação era transmitida mais facilmente. É como se houvesse uma competição entre a gama e a ômicron no Pará, a primeira acabou atrasando a chegada mais contundente da segunda no estado”, aponta Vidal.
Durante o estudo, os pesquisadores sequenciaram vírus de amostras provenientes do Laboratório Central do Pará (LACEN-PA), da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (SESMA), do Hospital Ophir Loyola (HOL) e da Universidade Federal do Pará (UFPA). Em contrapartida, o grupo contribuiu, em determinado momento, com a vigilância epidemiológica no estado, fornecendo informações atualizadas à Secretaria sobre as mudanças em curso nas variantes. A vigilância do perfil genômico do vírus, de acordo com Vidal, é essencial para que o poder público esteja a par dos riscos e mutações que podem significar uma crise de saúde pública, melhorando o tratamento e a prevenção da doença.
“Se tivéssemos feito essa vigilância em tempo real, isso poderia ter causado um grande impacto na maneira como as autoridades da saúde lidaram com a pandemia no Brasil”, observa Vidal. A pesquisadora ressalta que será preciso investir em equipamentos e mão de obra especializada para o país agir de forma diferente com possíveis futuras pandemias, melhorando, entre outros aspectos, a vigilância genômica de patógenos tanto para preparar os serviços de saúde pública quanto acelerar o desenvolvimento de tratamentos e vacinas.