O final de 2017 foi um tempo de muita agitação para investidores e entusiastas de bitcoin: a moeda alcançou em novembro do ano passado a marca de US$ 10 mil, e o recorde dobrou em questão de um mês, chegando a quase US$ 20 mil perto do Natal. Se 2017 foi o ano de ascensão meteórica, com a cotação tendo estado em US$ 400 em determinado momento antes da explosão que a colocou na boca mesmo de quem não acompanhava nem um pouco as criptomoedas, 2018 viu um movimento quase que completamente inverso, perdendo mais de 80% do valor alcançado no ano passado.
Atualmente, o bitcoin está cotado em apenas cerca de US$ 3,8 mil (aproximadamente R$ 14,9 mil), e essa queda também foi acompanhada por outras das principais criptomoedas, como ripple, ethereum e Bitcoin Cash. Para o analista Mike McGlone, da Bloomberg Intelligence, 2019 deve ver ainda mais perda para a bitcoin, podendo cair para US$ 1,5 mil (R$ 5,8 mil).
Outros especialistas e entusiastas, no entanto, veem o cenário futuro da principal criptomoeda com algum otimismo, pelo menos dentro do mercado das moedas digitais em si. Um relatório recente da consultoria A.T. Kearney diz esperar que o bitcoin reconquiste sua dominância em termos de capitalização de mercado. A Forbes aponta, porém, que isso não se traduz exatamente em novas altas como as vistas em 2017. Aquelas, explica a publicação, se deram pelo hype enorme em torno da moeda e a expectativa do público geral sobre seu potencial revolucionário. Um ano depois, a moeda digital não conseguiu ganhar ampla aceitação e confiança.
Independentemente do que 2019 reserva para a moeda, o rescaldo em 2018 do crescimento impressionante de 2017 foi significativo e gerou um interesse generalizado nas criptomoedas, até mesmo entre figuras públicas e artistas. O que não faltou foram personalidades que nada tinham a ver entre si se aventurando no mercado e virando o rosto de novas moedas digitais, com anúncios que ganharam manchetes ao longo do ano.
De Steven Seagal a Akon, passando por Ronaldinho Gaúcho, famosos mergulharam na febre das criptomoedas
Logo em fevereiro, o ator de filmes de ação Steven Seagal decidiu endossar uma moeda com o nome no mínimo esquisito de Bitcoiin 2Gen (isso mesmo, com dois “i”s). O projeto tinha em seu white paper a promessa de ser melhor que o bitcoin em quase todos os aspectos, com o site oficial da empreitada garantindo “custos de transações dez vezes menores” e rendimentos de mineração duas ou três vezes maiores. Não demorou muito para tudo ir por água abaixo, e no mês seguinte o ator e os fundadores abandonaram o projeto depois das autoridades de Nova Jersey, nos EUA, emitirem uma ordem para cessar a atividade.
O ator Steve Seagal entrou na onda das criptomoedas. Crédito: AP
Em março, foi a vez de Roberto Escobar, irmão do narcotraficante Pablo Escobar, se aventurar no mercado. A empresa de capital de risco de Roberto, a Escobar Inc, lançou uma oferta inicial de moeda (ICO) com uma promoção inicial de 96% na compra das moedas: de US$ 50 por US$ 2. A Diet Bitcoin era uma dark fork da bitcoin, o que significa que compartilhava código similar com a colega mais famosa, e foi apresentada como uma versão “mais leve e mais rápida” da bitcoin.
Acompanhando a nova criptomoeda, Roberto Escobar lançou também um livro, Pablo Escobar’s Diet Bitcoin, em que explica a motivação por trás da criação da Diet Bitcoin. A obra está à venda na Amazon por US$ 8 (ou você pode baixar de graça do site oficial da moeda). Talvez o ponto mais interessante seja a afirmação do irmão de Pablo Escobar de que, diferentemente do que muita gente especula, o bitcoin foi criado pelo governo dos Estados Unidos, e não pelo tal do Satoshi Nakamoto.
O projeto incluía também um livro chamado Pablo Escobar’s Diet Bitcoin, em que Roberto explicava a motivação por trás do lançamento da moeda — e a ousadia era tanta que a obra estava à venda na Amazon por US$ 8 (mesmo estando também disponível de graça no site oficial da criptomoeda).
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Nove meses depois, o site do empreendimento ainda pode ser acessado, mas nenhum veículo de comunicação repercutiu a moeda exceto durante aquele mês de março, no momento do lançamento.
O ano de 2018 foi também de memes sobre os rolês aleatórios de Ronaldinho Gaúcho, e o escopo da presença do ex-jogador alcançou as criptomoedas. Em julho, o brasileiro emprestou sua imagem para a criação da Ronaldinho Soccer Coin, que, mais do que uma criptomoeda, pretendia ser um projeto ambicioso, incluindo a criação de uma academia de futebol e a organização de jogos amadores em todo o mundo, desenvolvendo também uma plataforma de apostas e marketplace com direito também a estádios em realidade virtual, que analisariam as habilidades de um jogador e criariam um banco de dados na blockchain para, a partir disso, formar novas equipes com base nas informações.
Por mais maluco que tudo isso pareça, o lançamento aconteceu em julho, mas a moeda só foi ativamente negociada uma vez, em outubro, com um volume total de transação de US$ 4, o que levou o câmbio da RSC de US$ 9 para US$ 0,10, segundo o CoinCodex.
Por fim, vale lembrar também os músicos que se juntaram ao seleto e difuso grupo de celebridades empreendedoras de criptomoedas. Um deles foi Akon, que pode não ter criado uma moeda para bater de frente com a bitcoin ou a ethereum, mas certamente bolou um nome que jamais será batido no mercado: a Akoin. O apelido da moeda por si só deveria atrair atenção e chamar investimentos, mas o projeto, assim como o de Ronaldinho, também era ambicioso, envolvendo a ideia de usar o dinheiro levantado para financiar um projeto de Akon que visava promover o uso de energia solar na África. E não era só isso: como escreveu à época o Verge, o artista ainda queria criar uma comunidade no Senegal que usaria a Akoin e se chamaria Akon Crypto City.
A cereja no bolo foi a declaração do cantor ao falar da moeda durante o festival de publicidade Cannes Lions: “Eu venho com os conceitos e deixo os geeks descobrirem (o que fazer)”.
Blockchain, a promissora tecnologia por trás da bitcoin
A tecnologia em que a bitcoin se baseia para suas transações é chamada de blockchain. Trata-se de uma plataforma digital simples que grava e verifica as transações, garantindo sua integridade e ordem cronológica e impedindo que qualquer um possa apagá-las. Descentralizada, ela utiliza a criptografia em vez de uma autoridade central. E seu potencial é muito grande.
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Entusiastas defendem que ela pode mudar significativamente diversos setores como o bancário, a política e o market place. Transações financeiras internacionais, que costumam levar dias para serem verificadas, demorariam questão de horas por meio do blockchain, que ainda é mais barato. Em uma época de tanta preocupação com a privacidade de nossos dados, a tecnologia poderia também ser usada por planos de saúde para registrar dados médicos confidenciais, garantindo o acessos a pessoas autorizadas.
O blockchain pode afetar também a cadeia de suprimentos da indústria alimentícia. Carrefour e Walmart, por exemplo, têm trabalhado em sistemas por meio da tecnologia para levar informações detalhadas aos consumidores sobre os alimentos que vende.
O gigante das redes sociais Facebook também tem concentrado esforços na tecnologia, criando em maio deste ano sua própria divisão de blockchain. As possíveis utilizações não foram reveladas pela empresa, mas, na semana passada, a Bloomberg revelou que a companhia estaria considerando criar uma criptomoeda para transferências no WhatsApp.
O biênio de extremos da bitcoin não permite que sejam feitas afirmações contundentes sobre o futuro da criptomoeda. O fim de 2017 parecia marcar o início de um período promissor para que os entusiastas das criptomoedas reforçassem seu argumento, mas o choque de realidade de 2018 mostrou que o desafio será tão difícil quanto se poderia esperar alguns anos atrás. Mas tem quem defenda que o grande legado delas será mesmo a adoção do blockchain em diferentes campos.
Qualquer avanço, no entanto, seja nas criptomoedas ou no blockchain em si, precisará passar por desafios regulatórios, o que ajudará a moldar o futuro dessas tecnologias.