Se você acompanha minimamente o noticiário, sabe que as relações entre Estados Unidos e China não estão lá muito boas, com prisões de pessoas notórias dos dois lados e com os governos tentando (ou fazendo jogo de cena) para resolver suas diferenças.
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A questão é que não existe só um problema de balança comercial, com os EUA querendo taxar produtos chineses, buscando uma relação “mais justa”. Um dos motivos por trás da briga entre os países é de origem tecnológica, como lembra a The Economist, cuja matéria de capa da semana passada é “Chip wars: America, China and silicon supremacy” (“Guerra dos chips: América, China e a supremacia do silício”, em tradução livre).
A reportagem fala que se os dados são o petróleo do futuro, os chips são o combustível que tornam essas informações em algo útil, e que o Vale do Silício, região que concentra empresas de tecnologia e que começou com essa história de chips com a invenção do transistor, corre o risco de ser superado pela China.
Guerra fria tecnológica?
É importante lembrar que boa parte da tecnologia que usamos atualmente foi pensada a princípio para fins militares. Então, estar à frente do líder, no caso os Estados Unidos, poderia dar uma boa vantagem à China.
O gigante asiático iniciou em 2014 um fundo de investimento para financiar a pesquisa e o desenvolvimento da indústria de circuitos integrados. O país quer que o setor passe de uma receita de US$ 30 bilhões, obtido em 2016, e chegue a US$ 305 bilhões em 2030, além de fazer com que a maioria dos chips usados localmente sejam Made in China — a produção mundial de chips fica concentrada na Coreia do Sul e Taiwan, dois aliados dos EUA.
De acordo com a reportagem, os Estados Unidos, de olho nisso, agiram para tentar frear a iniciativa. Em 2015, o então presidente Barack Obama, por exemplo, impediu que a Intel vendesse chips para a China e autoridades americanas não aprovaram a compra de uma empresa alemã do ramo pelo gigante asiático.
Com Trump, as coisas ficaram ainda mais quentes. O atual governo mexeu os pauzinhos para que a Qualcomm não fosse vendida para a Broadcom citando “questões de segurança nacional”. Além disso, como já noticiamos por aqui, Trump complicou a vida da ZTE nos EUA e da Huawei, proibindo a comercialização dos produtos das companhia por supostamente serem usadas para espionar empresas e o governo americano. Agora, os Estados Unidos estão convencendo aliados a não usarem produtos da marca em sua infraestrutura de rede.
Por parte da China, o país complicou a operação da Qualcomm, que pretendia comprar a holandesa NXP Semiconductors, além de investigar se os EUA estão atuando para fixar preços de chips de memória vendidos por empresas americanas e da Coreia do Sul.
Nada disso tem impedido a China de seguir em frente com seu plano de desenvolvimento. Uma das provas disso é o Taihu-Light, o supercomputador mais rápido do mundo. Sem contar que todas as gigantes chinesas, como Alibaba, Baidu e Huawei, estão investindo em chips e inteligência artificial — aliás, você já deve ter se cansado de ver por aqui aplicações que mostram o poder tecnológico alcançado por essas empresas ou pelo governo chinês.
Para o consumidor, uma das principais provas disso são os chips feitos pela HiSilicon, cuja dona é a Huawei, responsável pelos processadores Kirin presentes nos smartphones da marca chinesa. De modo geral, os aparelhos equipados com o chip têm recebido boas avaliações, inclusive em comparação com chips feitos pela Qualcomm ou Samsung, que estão nessa há mais tempo.
Com esse cenário de briga, as empresas americanas têm investido em computação quântica e a agência de pesquisa militar dos EUA, a DARPA, tem desenvolvido novas tecnologias, como chips que funcionam com luz em vez de eletricidade, que possam ser usadas por companhias do país.
Fala-se ainda em levar linhas de produção para os Estados Unidos, mas isso seria bem difícil. O fato é que alguns países asiáticos, como bem notou Tim Cook, CEO da Apple, em 2017, têm uma expertise vocacional para lidar com eletrônicos complexos, e que isso é produto do sistema educacional que preparou milhares de profissionais para lidar com isso.
Então, ferrar a China em um ramo pode trazer consequências em outros. É uma tarefa complexa que envolve problemas de segurança nacional e que uma retaliação mais enfática poderia encarecer o preço de eletrônicos nos Estados Unidos.
Enfim, não é só uma questão de grana, mas de domínio tecnológico que deve pautar a indústria nos próximos anos. Os Estados Unidos seguem na frente, mas a China está no encalço do Tio Sam.