O que a mudança para arquitetura ARM pode significar para o futuro dos computadores da Apple
Os computadores da Apple passaram por duas grandes transições de arquitetura de CPU em toda a sua história: passando do Motorola 68k para processadores PowerPC em 1994, e depois saindo do PowerPC para o Intel x86 em 2005. Com base em reportagens recentes (e quase meia década de rumores), parece que a Apple está no precipício de uma terceira grande transição, com fortes expectativas de que irá anunciar o primeiro Mac baseado na arquitetura ARM na próxima semana, durante a WWDC 2020.
Para a Apple, existem muitos benefícios ao deixar de lado os chips Intel e abraçar os processadores baseados em ARM similares aos chips que a própria empresa projeta para os seus iPhones e iPad.
Primeiro, a Apple ganharia mais controle sobre o planejamento de lançamentos e os recursos embutidos nas CPUs que alimentam seus computadores. Além disso, os lucros podem subir, já que a companhia cortaria um fornecedor da equação.
Por fim, os chips que a empresa já projeta muitas vezes oferecem desempenho similar de um núcleo e melhor performance por watt quando comparado com os processadores Intel x86. Isso significa que MacBooks baseados na arquitetura ARM poderiam ser tão rápidos quanto os atuais, oferecendo mais autonomia de bateria.
Mas para mim, o efeito mais interessante dessa transição é como isso poderia afetar os futuros computadores. Qual sistema operacional um Mac baseado em ARM rodaria? A Apple simplesmente vai atualizar o macOS para ter esse suporte ou está planejando uma grande transição de software similar a que tivemos quando passamos do Mac OS 9 para o OSX?
Na apresentação de Steve Jobs da WWDC 2005, ele disse que todo o trabalho investido no OSX deixaria a Apple pronta para os próximos 20 anos. Mas agora, em 2020, estamos chegando perto do fim dessa janela. O que acontece depois?
Além disso, que impactos potenciais a mudança para ARM poderia ter no design do produto?
Antes de a WWDC 2020 começar na segunda-feira, 22 de junho, reuni algumas das possibilidades que podem rolar com essa grande transição.
A Apple mantém o macOS ou veremos a expansão do iOS?
Ao longo dos anos, a Apple adaptou o macOS (e seus predecessores) para rodar em diversas arquiteturas diferentes, e embora não seja fácil, não há razão para não conseguir rodar o macOS no ARM. Essa provavelmente será a solução mais simples, colocando um novo chip A-series em algum produto como o MacBook Air. Isso criaria um dispositivo super fino e leve capaz de lidar com as tarefas diárias de um notebook, mas com melhor autonomia.
Foto: Alex Cranz/Gizmodo
A desvantagem disso é que embora a Apple possa ajustar ou atualizar muitos de seus aplicativos proprietários para rodar no ARM, pode levar um tempo para adaptar apps mais complexos como o Final Cut Pro, sem mencionar os inúmeros aplicativos de terceiros, já que os desenvolvedores podem não ser tão rápidos para se ajustar.
Iniciativas como o Catalyst ajudam a portar aplicativos iOS baseados em ARM para Macs, mas não é uma bala de prata que resolve todos os casos.
O maior problema aparece quando você considera os desktops, como o Mac Pro, que foi lançado no final do ano passado. Geralmente, os chips x86 com sua Arquitetura de Conjunto de Instrução Complexa (CISC) estão mais bem equipados para lidar com tarefas pesadas como edição de vídeo ou modelagem 3D do que os chips baseados em ARM com sua Arquitetura de Conjunto Reduzido de Instruções (RISC).
Esse problema poderia forçar a Apple a manter múltiplas versões do macOS, uma projetada para suportar computadores que usam x86 de alto desempenho como o Mac Pro, enquanto também desenvolve uma versão do macOS baseada em ARM para máquinas menos potentes.
Entretanto, o iPad Pro se tornou uma alternativa totalmente viável ao MacBook para muitas pessoas, graças as recentes novidades do iPadOS como suporte nativo a mouse e acessórios como o Magic Keyboard e seu touchpad integrado. A longo prazo, é possível que o iOS/iPadOS se torne a base dos computadores Mac, com o macOS reservado principalmente para sistemas de alto desempenho, antes de ser totalmente eliminado daqui quatro ou cinco anos (ou mais).
Inclusive, parece que a Apple passa muito mais tempo refinando o iOS e iPadOS do que o macOS. As vendas combinadas de iPhones e iPads representaram cerca de 60% da receita da Apple no quarto trimestre de 2019, com o Mac abocanhando somente 11% dessa fatia. Ou seja, faz mais sentido investir recursos naquele que já é o sistema operacional mais popular da empresa, em vez de tentar manter o macOS para sempre ou dividir a atenção entre várias versões.
Além disso, o iOS e iPadOS já funcionam bem com uma série de métodos de entrada, incluindo mouse, teclado, touch e stylus – o que não é uma verdade para o macOS e nos leva ao próximo ponto.
O primeiro Mac com um touchscreen
É meio doido pensar que estamos em 2020 e até agora a Apple ainda não lançou um único Mac com um tela touchscreen. No mundo Windows, os laptops touchscreen estão disponíveis há quase uma década e alguns fabricantes estão trabalhando em dispositivos conceituais que abandonaram completamente o teclado tradicional e o touchpad, utilizando duas telas touch ou telas flexíveis.
Captura de tela: Apple
Além de vários executivos da Apple terem declarado anteriormente que não estavam interessados em fabricar um MacBook com tela touchscreen, outra grande razão que torna a criação de um computador desses tão difícil é o sistema operacional em si.
Ícones e configurações de menus são muito pequenos para se ajustar facilmente com os dedos. A Apple poderia redesenhar o macOS para funcionar melhor com o toque, mas provavelmente seria um processo longo e doloroso, algo que a Microsoft descobriu da maneira difícil com o Windows 8 e até mesmo no Windows 10. Em vez disso, poderia ser mais fácil e mais bem-sucedido a longo prazo escalar o iOS/iPadOS para acomodar o uso em desktops.
Neste momento, muita gente poderia questionar a necessidade de um Mac touchscreen enquanto o iPad Pro já existe – o que faz sentido. Porém, combinar um iPad Pro de 12,9 polegadas com um Magic Keyboard resulta em um conjunto que pesa 1,36 quilo. Isso é mais pesado e menos resistente que um MacBook Air de 1,27 quilo. Além disso, com apenas uma porta USB-C, um iPad Pro nem sempre é a escolha ideal como máquina de trabalho principal.
Para muitos usuários de Mac, seria bom pelo menos ter a opção de ter um laptop superfino com tela sensível ao toque (ou talvez até mesmo um conversível 2-em-1).
Um App Store verdadeiramente unificada
Captura de tela: Apple
No curto prazo, a grande transição da Apple para o ARM certamente sofrerá com alguns problemas de compatibilidade de aplicativos, semelhante ao que o Surface Pro X e outros dispositivos Windows baseados em ARM encontram quando você tenta executar aplicativos antigos ou programas não projetados para rodar nativamente nessa arquitetura.
Mas se a Apple conseguir superar isso (o que, baseado em transições anteriores, parece bastante provável), a companhia terá em suas mãos algo em que vem trabalhando há bastante tempo: uma loja de aplicativos verdadeiramente unificada.
Não importa qual dispositivo você esteja usando, não haveria distinção entre a Mac App Store e a iOS App Store, você poderia comprar um aplicativo apenas uma vez e ele funcionaria em qualquer dispositivo que você estivesse usando.
Recentemente, a Apple deu um grande passo nessa direção com seu sistema de Compra Universal, que permite que você compre um aplicativo uma vez, mas ainda o utilize tanto no Mac quanto no iOS. No entanto, como a Compra Universal ainda é relativamente nova e ainda não leva em conta uma possível nova onda de aplicativos Mac baseados em ARM. Por isso, a empresa ainda não atingiu seu objetivo de criar uma loja de aplicativos unificada – por enquanto.
Macs mais baratos
Este é um ponto que acho que todo usuário de Mac vai curtir: modelos mais baratos. Embora não seja algo garantido, ao trazer o próprio design de chips para todos os seus dispositivos (não apenas iPhones e iPads), a Apple pode ser capaz de reduzir os custos de produção e diminuir o preço dos Macs baseados em ARM.
Vimos isso acontecer recentemente com o novo iPhone SE, que reutiliza o corpo do iPhone 8 e o chip A13 do iPhone 11 para ajudar a diminuir os custos. Custando US$ 400, o iPhone SE é o smartphone menos caro que a Apple já lançou nos EUA – se você ajustar a inflação.
Foto: Alex Cranz/Gizmodo
Um novo MacBook raramente custa menos de US$ 1.000, mesmo que você opte pelo modelo mais simples. As CPUs são um dos componentes mais caros de um laptop – para você ter uma ideia, o Intel i5 de 10ª geração do novo MacBook Pro 13 corresponde por mais de US$ 250 do preço do notebook.
Ou seja, há alguma chance de que, ao usar processadores ARM personalizados, a Apple poderia repassar algumas dessas economias para seus clientes.
Mas ainda é muito cedo e há uma tonelada de fatores desconhecidos em jogo. A Apple ainda não anunciou oficialmente seu primeiro Mac baseado em ARM – embora todos os sinais indiquem que isso vai acontecer nesta segunda-feira.
Estou aqui somente ventilando possibilidades. Até porque, neste tempo precioso antes de grande lançamentos, uma das coisas mais divertidas da tecnologia é sonhar com o que acontecer.